Prezados leitores, permitam-me ser politicamente incorreta e fazer o papel de advogada do diabo, a respeito de um episódio recente. Vou tentar aqui explorar o outro lado porque acho que toda unanimidade esconde por trás interesses os mais variados, desde aqueles de pessoas legitimamanete indignadas com uma situação que consideram imoral, quanto aquele de cínicos que muitas vezes se aproveitam de uma situação para conseguir atingir propósitos escusos.
Falarei da questão da lei antigay assinada pelo Presidente da Rússia, Vladimir Putin em junho, que proíbe e sanciona a propaganda de relações sexuais não tradicionais e impõe multas àqueles que realizam paradas de orgulho gay e outras demonstrações afins. Tal lei foi considerada homofóbica em todos os cantos do mundo e levou inclusive a uma conclamação pelo boicote dos Jogos Olímpicos de Inverno que se realizarão na cidade Russa de Soichi em 2014. O herói da causa gay em seu país, David Cameron, que conseguiu a aprovação pelo Parlamento do casamento de homossexuais, expressou-se oficialmente lamentando a tal lei, assim como Barack Obama, que recentemente cancelou uma reunião de cúpula com a Rússia por conta do asilo dado a Edward Snowden.
Para desempenhar o papel de advogado do diabo a que me propus, devo primeiro investigar as razões profundas pelas quais os russos decidiram adotar tal lei. Digo os russos porque de acordo com uma pesquisa lá realizada pelo Levada Center, 76% dos entrevistados apóiam a lei (para mais detalhes vejam a reportagem da Russia Today, emhttp://rt.com/news/russia-gay-law-myths-951/). O fato é que após a derrocada do comunismo, com seu ideário de igualdade dos gêneros,os russos estão cada vez mais se voltando às suas raízes tradicionais, que incluem a Igreja Ortodoxa, que como toda grande instituição religiosa, incluindo a Igreja Católica, condena o homossexualismo. Há de se levar em conta também a tragédia demográfica que se abateu sobre o país. A taxa de fertilidade está em 1,61, incapaz de garantir a manutenção da população nos níveis atuais, tanto que o crescimento populacional será negativo em 2013 (-0,02%). Os homens têm uma expectativa de vida de 64 anos e as mulheres de 76 anos.Considerando que a Rússia é o mair país do mundo, esse vazio populacional coloca desafios geopolíticos muito grandes em termos de controle de áreas próximas à fornteira com a China, que sofre com problemas sérios de poluição ambiental, e portanto teria todo interesse em adquirir pela força, ou outros meios persuasórios, terras mais “limpas”.
Em vista de tal realidade, o governo tem como um dos objetivos tentar fazer com que a população russa aumente sem que tenham que recorrer à imigração, como fizeram muitos países ocidentais em vista da diminuição das taxas de natalidade. Em outras palavras, o lema é “Crescei e multiplicai-vos” e para isso as autoridades russas acreditam que é preciso valorizar a família tradicional composta de homem e mulher e filhos e encorajar relações sexuais que visem a procriação. Com tais metas em sua mira, não é de se estranhar que elas queiram coibir o homossexualismo, que afinal não é um tipo de relação que leva à produção de filhos.
Pode-se questionar a eficácia da lei que proíbe a propaganda antigay, porque afinal ela parte da premissa de que o homossexualismo é uma escolha que pode ser adotada ou abandonada. Se o homossexualismo for algo inteiramente determinado por nossos genes, qualquer esforço que se faça para educar as pessoas, especialmente crianças, de maneira a adotarem práticas sexuais convencionais, é algo inútil, porque quem nasceu com os genes parao homossexualismo será sempre homossexual. A ciência ainda não nos deu uma resposta definitiva sobre essa questão, e talvez nunca dê, o que faz com que qualquer opinião que se tenha deva necessariamente ser respaldada nas convicções morais de cada um.
Desse modo, independentemente da eficácia da lei em estimular determinado comportamento por meio da educação antigay, o fato é que o povo russo em sua maioria partilha a convicção de que a disseminação do homossexualismo é algo ruim para o país que deve ser coibido. Não estou aqui fazendo um julgamento de valor sobre se estão certos ou errados, só manifesto minha opinião de que cada povo tem o direito de autodeterminar-se, isto é de decidir sobre como quer viver, que valores quer cultivar, e assim como há muitas pessoas no Ocidente que acham que o estilo de vida gay traz contribuições benéficas à sociedade em termos de inovação e de diversidade, há os que são contra em prol da homogeneidade e da unificação de princípios.
Por isso causa-me espanto e devo dizer desgosto, esta unanimidade que se criou contra a lei. Respeito aqueles que temem que a figura do “incentivoà propaganda homossexual”seja usada para calar vozes dissidentes e sirva para ostracizar os gays na sociedade russa, mas não respeito dois grupos de pessoas que estão mais vociferando, os fanáticos da correção política e certos políticos ocidentais.
Quanto ao primeiro grupo, refiro-me àquelas pessoas que teimam em identificar qualquer posição contra o homossexualismo como necessariamente homofóbica. Considero essas pessoas fanáticas pelo fato de que elas consideram que tolerar os homossexuais não é suficiente, é preciso aceitar seu modo de vida sem restrições. Não basta que respeitemos os direitos fundamentais dos homossexuais, que eles sejam livres para viverem da maneira que quiserem em sua esfera privada, e não sejam molestados fisicamente por causa disso. É preciso que aceitemos o modo gay de viver como algo bom e benéfico, que só traz vantagens. Ness linha, apontar qualquer desvantagem das relações homoafetivas equivale moralmente à atitude daqueles que batem em homossexuais, que os matam e que os insultam. Não concordo com tal posição e quem faz tal equivalência na verdade tem como objetivo estigmatizar aqueles que pensam de maneira diferente deles para assim neutralizá-los.
Quanto ao segundo grupo, refiro-me especificamente ao David Cameron e Barack Obama, que estão se aproveitando desse episódio para divulgarem sua ideia de que a Russia é um país mau, inimigo das liberdades. Coincidentemente a Rússia é um país que se coloca contra os designios de dominação dos ocidentais, que querem derrubar o presidente da Sírianão para ajudar a democracia a avançar. O objetivo é simplesmente neutralizar um inimigo de Israel, que quer ter rédea solta para expulsar os palestinos da Faixa de Gaza. Se é para adotarmos posturas morais em eventos esportivos, devemos boicotar não só os que oprimem homossexuais mas aqueles que matam civis inocentes no Afeganistão, no Paquistão e outros páises asiáticos com seus drones, como fazem os Estados Unidos.
Não estou a dizer que a Rússia é uma paladina das liberdades, afinal séculos de tzarismo, leninismo e stalinismo deixam suas marcas, e não há dúvida de que em vista do seu passado, feito de pogroms, de gulags e de trabalhos forçados, não é irrazoável pensar nos abusos que uma tal lei contra a propaganda homossexual pode ensejar. Meu objetivo é ver o outro lado da história e mostrar que as ideias politicamente corretas muitas vezes na prática acabam erncorajando comportamentos que elas teoricamente condenam, como a intolerância. Se há perseguição a homossexuais, também há perseguição àqueles que não compartilham o ideário ocidental hoje em voga, que prega o descolamento de toda tradição, considerada necessarimaente retrógrada e ruim.Oxalá que no futuro consigamos fazer com que os tradicionalistas e os modernos tenham uma convivência melhor de maneira que os dois grupos possam viver suas vidas paralelas sem serem oprimidos mutuamente. Tenho lá minhas dúvidas.