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Heróis e vilões

Posted by on 04/08/2013

                  Eu nunca fui ao cinema assistir a um filme de James Bond, mas às vezes assisto a alguns trechos na TV, pois vire e mexe há o festival 007 com todos os galãs que interpretaram o espião britânico, desde Sean Connery, passando por Roger Moore, Timothy Dalton até o atual, Daniel Craig. Nos primeiros tempos enfatizava-se a inteligência do 007, suas tiradas espirituosas, seu trato com as mulheres, era um gentleman, um homem que reunia o poder e educação para realizar as missões que lhe eram confiadas.

                   Nos últimos tempos, porém, com Pierce Brosnan e especialmente com o clone do Vladimir Putin, eu tenho a impressão de que a série ficou mais ideologizada, no sentido de ser um instrumento para veicular a ideia de que o Ocidente, capitaneano pelos Estados Unidos e secundados pela Inglaterra, a pátria de James Bond, são da turma do bem, da democracia, da prosperidade, e os vilões dos filmes são todos localizados em países que não fazem parte do círculo de amigos dos americanos, seja a Coreia do Norte, Cuba, Rússia, Bolívia, China. Coincidentemente, todos os inimigos dos Estados Unidos nos filmes são repúblicas autoritárias, ou repúblicas das bananas,ou dirigidas por loucos que devem ser combatidos. Tenho certeza que um dos próximos filmes terá alguma intriga se desenrolando no Irã.

                Aliás, talvez Hollywood nem precise se valer de algum vilão iraniano para passar o recado. Afinal, Argo, o ganhador do último Oscar, que conta a história da fuga de seis agentes da CIA da embaixada dos Estados Unidos no Irã já fez um bom trabalho nesse sentido. Os iranianos são mostrados como religiosos fanáticos e estúpidos que são facilmente enganados pelos astuciosos americanos, capazes de elaborar um plano ousado para saírem do país em meio à Revolução Islâmica de 1979. Há uma série de detalhes factuais inverídicos no filme, e para quem quiser saber quais são, acesse este site, http://mondoweiss.net/2013/02/argos-oscar-failure.html. Isso poderia ser relevado porque, afinal, há certas adaptações que precisam ser feitas para o bem do roteiro e de sua capacidade de prender a atenção do expectador. Por outro lado, fica claro que todas as modificações feitas no que de fato aconteceu em seguida à invasão à embaixada americana servem o propósito de homenagear os feitos dos heróis da CIA que conseguiram escapar ilesos do inferno que era o Irã, como disse Ben Affleck, o diretor de Argo, ao agradecer o Globo de Ouro, e elogiar“os serviços clandestinos e o serviço diplomático que estão fazendo sacrifícios em nome do povo americano todos os dias e nossas tropas que servem no estrangeiro, quero agradecer-lhes muito.” Tais sacrifícios incluíam treinar a polícia secreta do xá do Irã deposto pelo revolucionários, denominada SAVAK, em técnicas de tortura e de interrogatório forçado, alías aprendidas com os nazistas.Este envolvimento dos Estados Unidos com o governo corrupto de Mohammad Reza Shah foi aliás uma das causas de a embaixada americana ter sido tomada de assalto, em uma crise que acabou com o governo de Jimmy Carter.

                Em suma, meus caros leitores, citei apenas dois exemplos de filmes para ilustrar o quanto as visões maniqueístas permeiam nossa percepção da realidade. Isso não é uma fraqueza somente de pessoas que frequentam o cinema e não tem cultura ou curiosidade intelectual suficiente para informarem-se sobre a história buscando fontes escritas.Ela também parece ser um tipo de categoria conceitual que ajuda muitos bem pensantes a olharem para a realidade e formularem seus julgamentos. No caso de pessoas com mais bagagem intelectual a coisa se passa de maneira mais sutil, mocinhos e bandidos são substituídos por “mais pior” ou “menos pior”. Em outras palavras,em vista de escolhas que não são posssíveis de serem feitas inequivocamente, o melhor é tomar partido enfatizando as qualidades de um lado e minimizando-lhes os defeitos, demodo que os pontos positivos possam determinar a escolha. Explico-me citando mais uma vez o caso do Edward Snowden a quem recentemente o serviço de imigração da Rússia concedeu asilo provisório de um ano.

                 Antes de tal decisão, Mario Vargas Llosa já havia escrito um artigo, que li no Estadão, colocando-se contra o que o americano mais procurado do mundo fez sob o argumentoque pode ser resumido no famosoditado popular: “Dize-me com quem andas e eu te direi quem és.”Se A China, a Rússia, o Equador, a Venezuela, países que de acordo com o peruano não cultivam a liberdade política e de expressão como os Estados Unidos fazem, apoiaram de alguma forma ou de outra Snowden, seja oferecendo-lhe ou concedendo-lhe asilo, seja permitindo-lhe escapar de Hong Kong, isso significa que boa coisa ele não está fazendo e a luta dele é um embuste. Afinal,aliando-se a países ditatoriais, paísesem que a imprensa é amordaçada, o americano é um vilão, porque está revelando segredos que podem colocar em perigo a defesa dos Estados Unidos como país democrático e livre.

                Não vou aqui discutir profundamente as premissas do argumento do Mário Vargas Lllosa a respeito dos Estados Unidos como terra da liberdade. Basta dizer que em 30 de julho Bradley Manning foi condenado em 20 das 25 acusações que pesavam contra ele por uma corte marcial, a despeito do fato de que ao revelar o que acontecia no Iraque em termos de torturade prisioneiros e sofrimento gratuito inflingido a civis, nada mais fez do que cumprir sua obrigação de relatar crimes de guerra.  O julgamento de Manning foi digno dos tempos de Stalin em que Nikolai Bukharin foi condenado à morte em 1938 por conspirar contra a derrubada do Estado Soviético. Era certo que seria condenado porque ao revelar as táticas americanas em suas guerras ele acaba servindo o inimigo, os terroristas que precisam ser combatidos. A pena ainda será estabelecida, mas considerando o número de condenações não há de ser pequena, afinal deve servir de exemplo a outros traidores.

                Meu ponto é que parece que os Estados Unidos, ao lutarem contra o bloco soviético durante a Guerra Fria, acabaram por se contaminar com as características dos vilões, e a priorizar a ideologia em detrimento dos fatos. Qualquer coisa vale para combater o terrorismo, incluindo morte de civis, tratamento degradante de prisioneiros, invasão da privacidade de cidadãos, que acabam transformando-se em mal necessário para combater o “mal maior”. Os amantes dos filmes de ação e intelectuais libertários como Llosa podem ainda acreditar que apesar dos defeitos, no balanço geral os americanos continuam a ser os heróis lutando contra os vilões, e que não há como fazer uma omelete sem quebrar os ovos. O problema a meu ver é que há uma tendência clara: os mocinhos de antigamente, que eram definitivamente bons, estão cada vez mais fazendo coisas que pessoas decentes não podem aceitar. Em que momento devemos admitir que o que era perfeito, é o menos pior e vai transformar-se em algo definitivamente maléfico? Qual será o ponto de inflexão para a consciência moral das pessoas? Está aí uma pergunta a que talvez só James Bond consiga responder realizando suas façanhas de 007.

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