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É dando que se recebe

Posted by on 28/07/2013

A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo a nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos.

Papa Francisco em discurso no Theatro Municipal do Rio a políticos e empresários

      Eu era adolescente quando a Assembleia Constituinte foi eleita para escrever nossa nova Constituição. Um dos personagens que se tornaram lendários àquela épocafoi Roberto Cardoso Alves, o líder do grupo entitulado Centrão (lembram-se?). Ele era conhecido por seu bordão franciscano “É dando que se recebe”, que usava para justificar seus conchavos, o toma lá dá cá que caracterizou os trabalhos dos representantes eleitos pelo povo para enterrar de vez o entulho autoritário. O resultado foi que a Constituição de 1988, fruto de contemporizações, ou para usar um termo mais popular, de acochambradas, não mexeu com vários esqueletos ditatoriais, o mais flagrante deles na minha opinião é o do limite ao número de deputados que faz com que os Estados do Sul e Sudeste do Brasil estejam subrepresentados no Congresso Nacional. Mas há também a questão da necessidade de candidatos a cargos eletivos terem de pertencer a partidos políticos, o que impede que haja uma renovação da política brasileira.

       Esses esqueletos nos assombram até hoje e fazem com que sejamos dominados por esta mentalidade pseudofranciscana da troca de favores entre os poderosos. No final das contas, todos, incluindo o paladino da moralidade, Joaquim Barbosa, usam jatos da FAB, e o presidente do STFinclusive recebeurecentemente 560.000 reais em atrasados e ninguém do Executivo ou do Legislativo estrilou, porque também eles têm seus direitos adquiridos,tudo na mais perfeita legalidade. A hospedagem de Dilma no hotel mais caro de Roma para assistir à posse do Papa Francisco não tem nada de ilícito, assim como os 10 mil reais de salário dos garçons do Congresso.

         Em suma, a falta de oxigenação da política brasileira faz dos partidos políticos grupos de castas que se protegem mutuamente e o Poder Judiciário, que deveria servir de contraponto ao Poder Legislativo e Executivo ao fim e ao cabo tem como preocupação precípua garantir seus privilégios. Os juizes brasileiros mostram uma grande capacidade de mobilização quando precisam defender seu direito à aposentadoria integral, a vales-refeição atrasados, mas são pouco criativos para propor qualquer remédio à lerdeza da justiça que vá além de contratar mais funcionários. Eu tive um professor de Direito Previdenciário que toda aula reclamava contra o atentado à Constituição que eram as propostas de fazer os servidores públicos cair na vala comum do INSS. Os argumentos dele eram brilhantes claro, sempre fundados na nossa Constituição, mas nem tudo que é legal é moral.

           Como tornarmos nossos três poderes menos legalistas e mais morais? Não estou aqui a defender golpes de Estado ou revoluções, mas seria preciso que nossas autoridades parassem de usar a letra da lei como escudo protetor do seu egoísmo, da sua cupidez, da sua incompetência e passassem a se preocupar mais com o espírito das leis. Quando a Constituição fala em alocação obrigatória de recursos à educação e à saúde, não basta apenas despejar dinheiro a torto e a direito para cumprir as dotações orçamentárias, é preciso planejamento, método, prioridades.

          A resposta pífia até agora dos poderes constituídos aos protestosmostram que o caminho do povo brasileiro rumo a um maior controle sobre o que os que estão por cima da carne seca fazem é árduo e incerto.Será que o único resultado prático será fazer da Dilma um bode expiatório para que a volta do Lula se torne indispensável? Será que é impossível surgir alguma nova liderança que se aproxime do povo, que o escute de maneira aberta, como pregou o papa no sábado? Será que não haverá nenhum membro dos nossos partidos políticos que esteja disponível para não tratar os manifestantes com condescendência como fez a Dilma em seu discurso no auge dos protestos, em que só faltou nos chamar de parvos por desconfiarmos que talvez os recursos públicos emprestados para a construção das “arenas” não serão devolvidos? Será que não haverá nenhum deputado, senador, governador, vereador que considere que o povo tenha algo de bom a dar além de votos e que suas sugestões devam ser levadas em conta?Será que algum dia vamos parar de ouvir tipos como Sérgio Cabral, amendrontados diante dos protestos , repetirem a cantilena de que só os protestos pacíficos e ordeiros valem? Seu governador, eu concordo que violência é ruim, mas antes de falar algo desse tipo por favor investigue seriamente a denúncia de que agentes infiltrados da polícia foram responsáveis pelo coquetel molotov que foi usado como justificativa para que os soldados pegassem pesado contra manifestantes.Será que algum dia nossos governantes terão uma atitude mais aberta em relação a protestos, que fazem parte da vida cotidiana de países com França, Espanha, Inglaterra, Suíça e outros em que os donos do poder são um pouco mais bem controlados do que aqui? (Será mera coincidência?)

       Infelizmente no Brasil temos esta tendência funesta a eleger bodes expiatórios para eximirmo-nos de examinar as situações mais fundo e tentar resolvê-las. Começamos com Domingos Fernandes Calabar na invasão holandesa, passando por Joaquim Silvério dos Reis na Inconfidência Mineira, ambos “traidores da pátria”. Incluo neste rol de bodes para imolação Paulo Maluf na época da transição democrática, tão parte do status quo ditatorial quanto José Sarney, que acabou nos governando por ter virado a casaca na hora certa. Parece estar ocorrendo o mesmo agora com Dilma, cujo semblante cerrado não ajuda a termos uma visão simpática dela. Eu não votei na atual presidente, mas querer fazer dela a raiz de todos os males é uma grande covardia. A publicação frequente de pesquisas de popularidade mostrando a queda vertiginosa da Sra. Rousseff parece servir este propósito. Trocando a Dilma em 2014 cessam os problemas num passe de mágica… Quem defende isto está ou sendo inocente ou então defendo seus próprios interesses.

           Fiz muitas perguntas ao longo deste texto e não tenho resposta a nenhuma delas. A despeito da minha estupefação,o sorriso infalível do Jorge Mario Bergoglio, torcedor de carteirinha, literalmente, do Club Atlético San Lorenzo de Almagro, tomador de chimarrão, contagiou-me e eu não perco a esperança. A alegria de viver vem da esperança, da fé de que é possível que as coisas melhorem, de que possamos “descobrir novos caminhos” como disse o Papa. Sigo isto na minha vida pessoal, é preciso nos abrirmos ao mundo, explorarmos o que ele tem para nos oferecer, mesmo que ao final o resultado não seja aquilo com que sonhávamos. Espero que enquanto país nós brasileiros possamos fazer a mesma coisa.

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