No Brasil sempre estivemos acostumados com baixos padrões. Quero dizer que diferentemente de um país como a Argentina, para falar de um vizinho nosso, nunca fomos ricos, nunca fomos ao paraíso para depois descermos ao inferno. Talvez seja essa uma das razões pelas quais asúltimas grandes manifestações em nosso país tivessem ocorrido em 1992 em torno do impeachment do Collor. Para nós a incompetência, a má fé, a corrupção são parte do nosso cotidiano e não temos lembrança de priscas eras que pudessem servir de termo de comparação.
Um empresário como o Eike Batista, por exemplo, se não constitui expressão da maioria doshomens de negócio brasileiros, ao menos representa aquela parcela mais influente. Suas empresas tomaram 10 bilhões de reais do BNDES, ele se vangloriava em ser um empreendedor moderno, expressão do novo Brasil que está se formando, dos capitalistas que assumem riscos, que apostam no futuro do país, blá blá blá. Pois bem, recebeu benesses do governo, entre outras o dinheiro dado pelo nosso banco de desenvolvimento para formar um novo campeão nacional, a concessão para explorar o Maracanã, depois de pronto, reformado é claro com o dinheiro dos otários, quero dizer do povo. Como contraprestação pelas vantagens que havia conseguido graças a sua amizade com Sérgio Cabral e com Lula, o Sr. Eike (refiro-me a ele como representante da holding que controla as tais das empresas X)havia se comprometido entre outras coisasa desenvolver projetos de reflorestamento no Rio de Janeiro, de revitalização do bairro da Glória, onde está localizado o Hotel Glória, que é de propriedade do Grupo EBX desde 2008 e estava (as obras estão paradas) sendo reformado com financiamento público.
Claro que agora que a nau adernou é o salve-se quem puder e nenhuma dasboas ações serão realizadas. O dinheiro da viúva, como diria o Elio Gaspari, foi investido em uma empresa que não tinha ativos tangíveis, apenas intangíveis, isto é, projeções de produção de petróleo que quando foram desmentidas fizeram tudo virar pó. Mas assim é na tal da nova economia, cuja contabilidade permite avaliar uma empresa totalmente pelo que as pessoas acham que ela vale. O mais triste disso tudo é que sabemos que se o momento fosse mais oportuno, isto é, não houvesse uma inquietação popular, o grande empreendedor já teria conseguido uma nova ajudado BNDES, pois como diria Dona Beja, quem tem amigos tem tudo. De qualquer forma, mesmo que o Grupo EBX não consiga dinheiro novo vai conseguir certamente um reescalonamento da dívida, mesmo porque não há muito o que possa ser feito quando não há bens materiais que possam ser executados.
Assim, estamos resignados com os privilégios dos donos do poder que sempre conseguem proteção nos momentos de dificuldades, estamos resignados com prioridades erradas, como a construção das arenas para a Copa nos mostra. Dizemos sempre que no Brasil é assim mesmo, que aqui só tem picareta, que os portugueses que vieram aqui fundar a colônia só vieram para roubar.Num certo sentido nossa familiaridade com o nivelamento por baixo faz de nós grandes estóicos, porque como esperamos quase nada das nossas autoridades em geral, qualquer pequena melhora é vista como algo miraculoso e qualquer piora já é antecipada. Quem viveu a década de 80 no Brasil sabe que é sempre bom preparar-se para o pior em termos de dinheiro.
O caso muda de figura em países que estão acostumados a altos padrões e que de repente começam a descer a ladeira. É sempre um choque e mais ainda quando se trata dos Estados Unidos, que tanto nos influencia com seus filmes, com sua língua e claro, com seu imperialismo. Refiro-me aqui a uma parte da população americana, especialmente a classe média baixa, que está vendo seu mundo desmoronar com o advento da tal da Nova Economia. Esta fez desaparecer os empregos manuais (o que eles chamam de blue-collar jobs) que proporcionavam um meio de subsistência digno às famílias. Digno porque havia sindicatos fortes o suficiente para negociar salário mínimo, assistência médica,fundo de pensão, férias remuneradas. Mas a globalização, que trouxe o NAFTA, a invasão de manufaturados da China, a ênfase nos resultados de curto prazo fizeram com que esses trabalhadores se tornassem caros demais e obsoletos. Tal estado de coisas é mostrado de maneira pungente em um documentário chamado Two American Families produzido pela TV pública dos Estados Unidos, chamada PBS. Para quem quiser: http://www.salon.com/2013/07/10/watch_two_american_families_now/.
O jornalista Bill Moyers acompanhou a trajetória de duas famílias, os Neumann, brancos, casal e três filhos e os Stanley, negros, casal e cinco filhos, todos residentes em Milwaukee, no Estado de Wisconsin, um dos mais atingidos pelo sumiço dos empregos na indústria. O interessante é que o programa começa em 1992 quandoTony Neumann consegue seu último emprego decente, em uma fábrica de motores, e termina 20 anos depois, quando Neumann recusa-se a ser entrevistadoe sobrevive fazendo bicos. Nesse entrementes, tudo piora: Terry, a mulher, é obrigada a trabalhar apesar de ter filhos pequenos, o marido vai ficando cada vez menos tempo nos empregos que se tornam cada vez mais precários, incluindo trabalho à noite. O casal mal se vê, os filhos não veem os pais que precisam acumular atividades para poderem pagar a casa. Ao final, o divórcio, Terry perde a casa, e atualmente isto é, em 2013, sobrevive trabalhando meio período como cuidadora de um menino que sofre de paralisia cerebral. Os filhos do casal estão em uma situação pior ainda: um dos filhos trabalha como cortador de grama e já tem três filhos com três mulheres diferentes; o outro está desempregado e a filha mulher sustenta o marido desempregado.
Quanto aos Stanley, o pai Claude em 1992 consegue um trabalho checando a impermeabilização do porão das casas e em 2013 aos 60 anos de idade trabalha como coletor de lixo. Entrevistado por Bill Moyers ele diz que terá que trabalhar até morrer, porque nunca conseguirá ficar em um emprego por tempo suficientepara ter direito à aposentadoria. A mulher Claude trabalha como corretora de imóveis, mas sua comissão é pouca porque as casas que vende não estão nos melhores bairros da cidade. O único dos cinco filhos que tem alguma estabilidade é o mais velho que conseguiu se formar na faculdade e arranjar um emprego público.
Esse programa ilustra várias características da Nova Economia que pegaram em cheio um país como os Estados Unidos, que fez uma radical opção pelo descarte de sua base industrial. Para quem não tem capacidade de trabalhar no Sillicon Valley, a única coisa que sobrou em termos de emprego é nos chamados setores não comercializáveis, isto é, cuja atividade não pode ser terceirizada para a Índia ou a China, como serviços de saúde, atendimento em bares, lojas. Mostra também o cículo vicioso em termos de perda de capital humano: famílias destruídas, filhos sem modelos de conduta, gravidez precoce, violência.
Em suma, esta Nova Economia está provocando uma volta a velhos tempos, mas tempos que nós imaginávamos tivessem ficado para trás: tempos de grandes disparidades de renda, dos muito ricos e dos muito pobres, dos pobres vivendo sob eterno temor e dos ricos controlando a vida dos pobres de todas as maneiras. Nova Economia ou Nova Idade Média? As revelações do Edward Snowden e o programa Two American Families colocaram a pulga atrás da minha orelha.