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Comissão Nacional de Qual Verdade?

Posted by on 08/06/2013

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528 de 2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

Retirado do site www.cnv.gov.br

Uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos, está condenada a um fracasso histórico

Ministro Cézar Peluso do STF em seu voto pela constitucionalidade da Lei de Anistia na ADPF 153 movida pela OAB

                Prezados leitores, hoje vou meter-me a falar de um assunto sobre o qual não tenho experiência concreta, afinal eu nasci em 7 de junho de 1972, há exatos 41 anos, e não tenho nenhuma noção de quão intensa ou não foi a perseguição política nos anos de chumbo da ditadura militar. Além disso, meus pais não eram militantes de coisa nenhuma, nunca lutaram por nenhum ideal político. Portanto, não tenho acesso sequer a uma experiênciatransmitidada época entre 1964 e digamos, 1977. Esta é uma grande deficiência, pois impede que eu tenha um ponto de vista imediato doqual partir. Se meu pai tivesse sido “líder estudantil”em algum grande centro urbano no Brasil ele com certeza teria histórias para contar de passagens pelo DOPS, de delações ou mesmo de tortura. Se ao contrário, ele tivesse sido membro da polícia ou do Exército poderia ter-me falado sobre a ideia do perigo comunista, isto é, do medo de o Brasil ser cooptado pela União Soviética e se transformar em uma república tropical socialista, como Cuba, em que haveria entre outras coisas a abolição da propriedade privada.

                Minha decisão de abordar esse tópico deve-se a um episódio que ocorreu durante minha última aula de Direito Penal Internacional. Portanto, é sob o ponto de vista estritamente intelectual que tecerei meus comentários. O fato é que nossa professora falava da Lei de Anisitia de 1979, que livrou os torturadores do aparato estatal brasileiro de qualquer persecução criminal, pois seus crimes foram considerados conexos aos crimes políticos daqueles que lutaram contra a ordem política vigente. A professora ponderava que isso era muito injusto, afinal os perseguidos pela ditadura foram mortos, torturados, exilados e os agentes do Estado acabaram se beneficiando de uma lei que teve como objetivo permitir a volta dos exilados ecolocou uma pá de cal no passado. Como ela é internacionalista, em sua opinião, apesar da chancela dada pelo STF em 29 de abril de 2010 à Lei de Anistia, ela é ilegal porque permite que crimes contra a humanidade que foram cometidos no Brasil fiquem impunes. Para minha professora, a CNV deveria investigar as violações dos direitos humanos e depois deveria haver processos criminais, de preferência no Tribunal Penal Internacional.

                Nesse momento da exposição, um dos alunos teve a audácia de colocar um outro ponto de vista que na verdade não era dele, mas de uma outra professora da faculdade, para quem a Comissão Nacional da Verdade está querendo reescrever nossa história com o objetivo de vingança. Usei a palavra audácia, porque talvez se ele tivesse vislumbrado a reação da nossa mestra não teria ousado questionar os motivos por trás dos trabalhos que já se desenrolam há um ano. Sem exageros, ela ficou furibunda: disse que a outra docente que defendia uma tal ideia, apesar de tão jovem, era uma reacionária, conservadora e só podia ser parente de algum militar. “Não se podem falar coisas assim a jovens de 19, 20 anos, é muito perigoso.”

             Eu realmente decepcionei-me com essa professora porque sua reação foi muito emocional, e ela deixou de ser uma intelectual de universidade, por diversas razões. Em primeiro lugar, desqualificar um argumento lançando ataques ao caráter da pessoa é pueril e não leva a lugar nenhum, só a desentendimentos. Como eu procurei explicar aqui há algumas semanas, ao falar da União Europeia e seus ideais, qualquer argumento em última análise é determinado pelos valores da pessoa, então se é para atacar ideias sob esses fundamentos não há possibilidade nenhuma de diálogo.

                 Em segundo lugar, minha professora nem mais quis ouvir o pobre do garoto, que queria esclarecer a posição da “reacionária”, para que seu nome não fosse jogado na lama acadêmica.Para ela não eram necessárias mais explicações, porque o que tinha ouvido já bastava e qualquer nuance era inútil para demovê-la da ideia de que a outra era uma desqualificada. Isso é paradoxal porque ela ficava repetindo o bordão “eu só aceito argumentos jurídicos”, mas na prática os únicos argumentos júridicos para ela eram aqueles que corroboravam sua visão, os outros não.

                  Por último, e não menos importante, apesar de ao final admitir que tinha se alterado, não pediu desculpas. E acho que deveria tê-lo feito, porque estávamos todos em uma universidade, que funciona sob a premissa de que só a discussão leva à verdade. Infelizmente fomos submetidos a uma saraivada de vitupérios. Claro que a maioria dos alunos concordou com ela, mas o exemplo foi horrível: mostrou que a pessoa que tem o poder, no caso o poder de dar notas, pode fazer do ambiente acadêmico um verdadeiro Fla-Flu, com torcida organizada e tudo.

                Há boas razões para ser contra e favor da Lei de Anistia. A vingança pode ser um sentimento mesquinho, um prato que se come frio, mas com certeza ouvir de alguém que torturou e matou um reconhecimento de sua culpa, e um pedido de desculpas, faz uma grande diferença para alguém que sofreu uma injustiça, é um alívio imediato à dor que não cansa de latejar. E poder enterrar seus mortos é direito pelo qual vale a pena viver e morrer, como Antígona nos ensinou. Por outro lado, não devemos esquecer que houve pessoasque lutaram contra a ditadura no Brasil que sequestraram, roubaram e mataram em nome de seus ideais socialistas ou comunistas. Achar que os ideais da esquerda são melhores do que os ideais da direita e justificam alguns excessos para mim é na melhor das hipóteses ser inocente e na pior das hipóteses é ter má fé, em vista dos acontecimentos históricos na China, Rússia e outros locais onde o comunismo foi tentado.

                Para os que querem saber minha opinião, sou a favor da Comissão Nacional da Verdade, mas a verdade que quero que ela revele não é a que parece estar se desenhando de acordo com os desígnios de pessoas como minha professora: a de que os terroristas de Estado eram maus porque mais poderosos e em maior número, eos seus combatentes eram bons, porque mais fracos e pouco numerosos. Para mim, a lição a ser tirada é que devemos, enquanto sociedade, evitar a todo custo chegarmos a uma situação em que sejamos governados por pessoas que tomam o poder para colocar em prática seus ideais, sejam eles de esquerda ou de direita. Pois quem estabelece como meta os ideais faz do ser humano instrumento, e como dizia o velho Kant, o homem nunca pode ser instrumento, nossa dignidade exige que sejamos fins em nós mesmos. Evitemos portanto o nós contra eles e que a CNV defenda os direitos humanos de todos os brasileiros, incluindo policiais, militares, guerrilheiros, líderes estudantis, camponeses, em suma todos que tiveram alguma atuação política durante a ditadura.

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