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Ode à classe média

Posted by on 23/05/2013

Odeio a classe média. É o que há de mais arrogante e conservador.

Marilena Chauí, filósofa, em evento sobre a década do PT no poder

Após tantos anos que lutei para ser classe média, você vem e avacalha.

Lula, em resposta a Marilena

                Estas duas frases acima abriram um artigo que li no Suplemento Aliás do jornal O Estado de São Paulo, escrito por Jessé de Souza, sociólogo professor da Universidade de Juiz de Fora. Jessé as usava como mote para criticar a classe média e seu principal ponto era a falsidade do conceito de mérito, tão caro aos membros daquele grupo. Para Jessé, o mérito na verdade é um privilégio, uma vantagem de sangue que o indivíduo adquire por ter nascido no lugar e na classe certa de modo que ele possa ter adquirido o capital cultural, isto é, a herança emocional, cognitiva e moral necessária para ir bem na escola, para frequentar a universidade e conseguir um bom emprego.

              Sob essa perspectiva, o indivíduo pobre que teve o azar de não ter nascido no local e na classe certa é uma vítima de um sistema injusto que concede privilégios à classe média e leva à dominação social dos privilegiados sobre as vítimas.  O autor usa termos como perversa, infantilizada para descrever a classe média, acusando-a de ser cega e ter uma falsa consciência moral, porque coloca a culpa dos males do país em uma elite abstrata. Jessé prefere dar nome aos bois: os culpados são os indivíduos da classe média, porque eles expressam de maneira típica a visão de mundo que transforma o privilégio em mérito, camuflando a exploração das classes mais pobres e permitindo que ela continue ad infinitum.

             Eu como legítima representante da classe média senti-me injuriada por essa críticaácida dos meus pares. Em primeiro lugar porque não faz sentido e em segundo lugar porque tal visão corrobora muito do que está sendo feito de errado no Brasil em termos de política econômica e social. Não faz sentido, porque colocar a classe média como algoz e as classes pobres como vítimas de um mau nascimento leva a um beco sem saída: da mesma maneira que os pobres não têm culpa de terem nascido em um meio desfavorável que não lhes proporciona o capital necessário para serem bem sucedidos, não se pode culpar os indivíduos “medianos” por terem nascido no lugar certo.Se o mérito é um conceito falso, fruto do acaso do nascimento, e não uma medida do valor de um indivíduo, também o privilégio ligado ao nascimento, sendo fruto do acaso, não pode ser usado como medida do desvalor de um indivíduo, afinalparafraseando o que dizíamos nós a nossos pais quando éramos crianças, ninguém pediu para nascer em determinada classe. Em suma, se tudo é uma questão de sorte, então somos todos vítimas do destino, fiado e tecido pelas Moiras, Cloto, Láquesis e Átropos.

           Até aqui estamos no terreno comum da desconstrução de valores já abordada aqui há algumas semanas e que é tão cara aos filhos espirituais da década de 60. Nada é verdadeiro, tudo é relativo: o esforço e o mérito, considerados tradicionalmente como coisas boas que devem ser cultivadas, na verdade são o oposto do que parecem ser, são sinônimos de preguiça e desvalor de privilegiados que nada mais fizeram do que nascer em berço esplêndido. O problema é que essa colocação da classe média como bode expiatório de acadêmicos acaba servindo desígnios sinistros. E aqui devo explicar minha segunda reserva em relação às ideias do senhor Jessé.

                Afinal estamos em um paísem que os 10 anos de PT no poder desenvolveram e consolidaram uma situação que já se desenhava nos oito anos de PSDB no poder. Uma concertação política pela qual os VERDADEIRAMENTE privilegiados, isto é aqueles que têm capital empregado e vivem da remuneração deste capital, vêem-se em uma situação bem confortável usufruindo das benesses do Estado. Tais benefícios podem ser juros incidentes sobre títulos da dívida de um governo que gasta mais do que sua capacidade de se financiar por meio de receitas próprias e precisa pegar empréstimos. Em março de 2013 a dívida bruta do governo estava em 59,2% do PIB, o que nos coloca na 51ª posição do ranking mundial, perto de países como Suíça(57ª posição) e Finlândia (53ª posição) cujos welfare states são infinitamente mais desenvolvidos do que o nosso.Ou então os capitalistas, especialmente dos ramos de petroquímica, celulose, frigorífios, siderurgia, suco delaranja e cimento,podem usufruir dos empréstimos do BNDES quenos últimos anos adotou a política de criar campeões nacionais, isto é, de escolher algumas empresas e ajudar-lhea comprar outras do setor ficando fortes para ganhar o mercado internacional (http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2013/04/22/campeoes-nacionais-bndes-abandonara-politica-que-deu-errado-494210.asp ).

                Na outra ponta desta concertação, que já elegeu três governos de esquerda seguidos, estão os beneficários do bolsa família, que arcam com os impostos regressivos incidentes sobre as mercadorias, como o ICMS, mas não pagam imposto de renda e não contribuem com a previdência. E onde fica a classe média, isto é os indivíduos que têm uma profissão, contadores, advogados, médicos, engenheiros, enfermeiros,  etc. que pagam imposto de renda na fonte e contribuição social, e que usufruem muito pouco dos serviços do Estado, pois o Brasil não é um Estado de Bem-Estar Social? Aparentemente somos muito privilegiados pelo nosso nascimento sortudo e por isso devemos ser punidos e sermos lembrados constantemente da nossa culpa: pagamos muito e não recebemos nada.

                Meus caros leitores, não quero dizer com isso que a classe média é a mais impoluta da nação, pois não há classes sociais no Brasil 100% vilãs ou 100% heróicas. Ricos e médios sonegam impostos, são racistas em graus diferentes, mas os pobres cometem lá suas pequenas fraudes, como conexões clandestinas de luz e TV a cabo.Demonizar a classe média brasileira, que tanto tem contribuído para a distribuição de renda que ocorreu no país, só serve para deixar as coisas como estão, como se tivéssemos chegado à perfeição econômica e social, com o relativo controle da inflação e o combate à miséria.

                As duas últimas eleições presidenciais infelizmente limitaram-se a ser um referendo sobre o bolsa família: de um lado os “privilegiados” contra, de outros as “vítimas” miseráveis e humilhadas a favor. Talvez fosse bom para o país que nas eleições presidenciais do próximo ano os candidatos abordassem também as necessidades da classe média, que incluem um controle sério dos gastos públicos e seu foco em serviços básicos, uma desoneração tributária, planos concretos para a renovação da infraestrutura, em suma tudo que possa contribuir para que o nosso pibinho possa ficar mais forte e permitir que todos que tenham mérito tenham oportunidades de mostrar seu valor. Tenho certeza que um agrado à classe média beneficiaria o Brasil, pois como o próprio Lula disse ser de classe média é o sonho dos pobres.

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