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Amor bandido

Posted by on 29/03/2013

“OBrasil não sabe quantos de seus ex-presidiários voltam ao crime, ou seja, é um país que ignora a taxa de reincidência. Alguns estudos informam que o índice chega a pelo menos 70%, mas, segundo especialistas, não se trata de um dado empírico e oficial. (…)O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já deu início a um projeto para chegar, por meio de amostragem, à taxa de reincidência, e pretende divulgá-la ainda no primeiro semestre deste ano. De acordo com a diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do conselho, Janaína Penalva, a amostra vai abranger sete estados: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Alagoas e Pernambuco.”

Publicado no jornal O Globo de 17 de março de 2013

O último episódio da série conta a história de Vivi, presa por tráfico de drogas e armas, hoje em regime semiaberto. Elafoi casada e teve um filho com Bruno Rogério, também traficante, que acabou morto em confronto com a polícia. Vivinunca pode se despedir do marido no velório. Ela usa a aliança até hoje.

Documentário Paixão Bandida que conta a história de mulheres envolvidas com traficantes.

            Prezados leitores, por um acaso ontem, zapeando pelo controle remoto enquanto eu comia minha sobremesa, eu meu deparei com a Vivi e sua história. Aliás, já se tornou um tema recorrente em jornais, revistas e televisão as paixões bandidas, amores bandidos e todos os títulos, que invariavelmente não escapam aos clichêssobre as relações amorosas entre mulheres e foras da lei. O roteiro é sempre o mesmo: a mulher começa a namorar um homem que já está na vida do crime ou entra depois, ele é preso, ela fielmente o visita na prisão, disputa o “privilégio” com outras mulheres,às vezes acaba assumindo os negócios do companheiro ou marido enquanto ele está encarcerado, o indivíduo morre e a deixa viúva, geralmente com um ou mais filhos.

             Há mulheres que até se mudam para a cidade em que o seu homem está preso, para poder ficar perto dele, e claro, para afastar outras concorrentes. Presidente Bernardes em São Paulo, por exemplo está cheia delas.Isso não é sensacionalismo da imprensa, não. A faxineira que vem ao meu apartamento uma vez por semana tem um filho preso que já engravidou duas mulheres diferentes na prisão, durante a visita íntima, direito dosd encarcerados. Esse tipo de homem parece ter uma aura especial porque infringindo a lei, ele parece mostrar a coragem, o arrojo, enfim, a “macheza”, que é tão essencial para garantir a atração das mulheres pelo sexo oposto. Não é de se espantar por isso, que o goleiro Bruno, recentemente condenado pelo assassinato da namorada, Eliza Samudio e por jogá-la aos cachorros, esteja atualmente noivo de uma moçoila bem bonita, por sinal.

             A disputa é tanta, que Vivi, a protagonista do documentário, jura que vai ainda bater em todas as mulheres com quem o falecido transou, porque afinal, ela sempre foi fiel a ele, as outras não. Ela foi guerreira, tendo ficado ao lado dele, em todos os momentos, mesmo quando ele já não tinha mais dinheiro. Isso é motivo de orgulho para ela, e até de elogio da sogra, que reconhece a constância da nora nas dificuldades. Enfim, uma mulher raçuda, cujo amor não esmoreceu nunca. Atualmente Vivi trabalha como costureira e considera o filho a coisa mais importante da vida dela, já que seu grande amor se foi. Grande mulher! Será? Eu tenho minhas dúvidas, e vou expô-las aos leitores.

              Amor é uma palavra usada, abusada, vilipendiada a torto e a direito, de modo que não pretendo aqui socraticamente iniciar um diálogo sobre o verdadeiro sentido do conceito.Mas vou seguir em parte a maiêutica e estabelecer aquilo que acho que o amor não é. Em primeiro lugar, o amor não pode ser cultivar aquilo que gostaríamos que a pessoa fosse, esquecendo aquilo que ela de fato é. Vivi teimou anos em ficar com um homem envolvido com tráfico de drogas, um homem cujo único gesto de comprometimento que teve com ela, nas próprias palavras da mulher, foi o de levar-lhe flores na maternidade. Aquela migalha a encheu de alegria, porque afinal a mulher média (estatisticamente falando, sem nenhum julgamento de valor) quer um sinal de que seu escolhido tem intenções sérias em relação a ela, seja a apresentando à família, seja dando-lhe uma aliança, seja casando. Reconhecer que Vivi havia dado à luz a seu filho aos olhos dela mostrava que Bruninho (como era conhecido Bruno Rogério no mundo do tráfico) reconhecia que ali estava a família dele.

              Alguns poderão argumentar que sou uma menina mimada, que não posso julgar pessoas que têm condições infinitamente piores que as minhas. De fato, se você nasce em uma favela é muito mais provável que vá conhecer homens envolvidos com algum tipo de atividade criminosa, do que homens de bem, e dizer que Vivi errou porque insistiu com o Bruninho é muita crueldade em vista das condições de uma mulher quenão teve oportunidade de conhecer moços com um futuro mais promissor. Considerando tal ressalva, enuncio minha segunda definição negativa de amor: uma vez tendo construído castelos no ar, o amor não podeser a teimosia de cultivar fantasias que a realidade nos mostrou serem mentiras. Vivi sempre nutriu a esperança de que ele fosse sair da vida do crime, mesmo depois de ele ter passado pela prisão. Infelizmente sabemos que no Brasilo cárcere é apenas um local em que o indivíduo faz mestrado, doutorado e livre docência em criminalidade, pois a maioria dos presos não trabalha e pode se dedicar a aprimorar seus conhecimentos, sua rede de contatos, seus negócios no mundo do crime.A trajetória de Bruno Rogério reflete a taxa altíssima de reincidência a que se refere o jornal O Globo: depois de sair da prisão ele logo voltou ao tráfico e acabou morrendo.

           Não é de se espantar que esse amor deturpado de Vivi, fruto de ignorância e carência, e principalmente de limitações econômicas e sociais, tenha deixado um gosto amargo para ela. Ao se lembrar do seu marido ela sente saudades, vê as fotos dele, mas também sente mágoa e raiva pelo tempo de vida dela perdido na prisão, pelas traições dele, em suma pelo fato de que Bruninho nunca foi e esteve sempre muito longe de ser o pai de família e marido que cuidaria dela e dos filhos. Ela parece viver de um passado, um passado que nunca foi, mas poderia ter sido se o seu amado não tivessese transformado traficante de drogas.

               Vivi, sei que provavelmente nunca lerá este meu artigo, mas faço votos para que se não você, mas suas netas, sejam mulheres educadas, que tenham sua própria profissão, e que quando encontrarem com um homem que não é o príncipe encantado, saibam reconhecer o sapo e deixá-lo para trás, caminhando altivamente em direção ao futuro, que é sempre mais sorridente para aqueles que olham para a frente e não para trás, e não menos importante, para aqueles que têm condições de se recompor depois de um golpe. Oxalá o Brasil um dia deixe de ter mulheres guerreiras e loucamente apaixonadas e tenha cada vez mais mulheres sensatas, racionais.

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