What is a word really?
It is a piece in chess.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)
Wittgenstein foi um filósofo austríaco que estudou a possibilidade de obtenção de uma linguagem perfeita, isto é, uma linguagem que não causasse confusões e que pudesse ser usada como instrumento para chegar à verdade. Um exemplo simples de quão a língua pode ser enganadora é dado por uma pergunta simples como: “Qual foi o início do mundo?” Ora, decompondo a sentença percebe-se que ela é totalmente desprovida de sentido, pois pressupor um começo, de acordo com o significado usual de começo na língua, é pressupor que tenha havido algo antes e algo depois deste início. Mas como pode ter havido algo antes se antes do início do universo não havia universo?
Dessa forma, a linguagem comum, longe de ser reduzível a conceitos claros, unívocos, é poluída por ranços de teorias filosóficas passadas, sentidos consolidados pela tradição, em suma, por toda sorte de conotaçõese denotações advindas do seu emprego contínuo por um grande número de pessoas através dos tempos. Iniciandoseu percurso intelectual na filosofia matemática, ao final de sua vida Wittgenstein acaba rendendo-se à linguagem tal como ela é, concebendo-a como um jogo: há determinadas regras a serem cumpridas sobre como falar, e o sentido de cada palavra só pode ser obtido no momento do seu uso no caso concreto. E este sentido não necessariamente expressa qualquer verdade, pois não há necessariamente uma conexãoda língua com algo existente. Em suma, a linguagem é um jogo, um jogo que produz múltiplos sentidos e que se encerra em si mesmo: não há jogo ruim ou bom, cada um tem suas regras específicas, e não nos cabe fazer tais julgamentos, mas simplesmente optar por um determinado jogo e jogar.
Essa minha digressão filosófica foi-me inspirada pela notíciada criação pela presidente Dilma Rousseff da 39º pasta ministerial, a das pequenas e médias empresas. Quando eu era criança, na década de 80 (sou da safra 1972), eu conseguia saber mais ou menos de cor os nomes dos Ministérios porque eu conseguia associá-los a algo no mundo real. Ministério da Fazenda tinha a ver com dinheiro e eu lembro de Ernane Galveas com a indefectível pastinha ir pedir esmolas no FMI, desculpem, empréstimos-jumbo, no auge da nossa crise da dívida. Ministério da Agricultura tinha a ver com plantas, Ministério do Trabalho com pessoas batendo o ponto e se esfalfando, Ministério da Saúde com hospitais, Ministério da Educação e Cultura com livros. Aliás a marca MEC era muito forte na minha cabeça, porque tínhamos um dicionário da língua portuguesa publicado pelo MEC e eu até hoje o consulto para expressões em latim. Havia também o Ministério da Marinha, que eu sempre associava à cor branca dos uniformes, o Ministério do Exército, verde e o Ministério da Aeronáutica, azul, pelas mesmas razões. Em suma, aprender os nomes das pastas ligando os nomes a algo concreto era automático.
Idos tempos que não voltam mais. Confesso que naqueles tempos de lusco-fusco, em que estávamos deixando os anos de chumbo para trás mas ainda não tínhamos plenas liberdades políticas, as coisas eram mais claras para mim, porque agora eu me perco no jogo democrático realizado em um país que tem 39 nomes diferentes para expressar as funções do governo, que consistem em oferecer à população bens públicos, isto é, produtos e serviços que satisfaçam as necessidades sociais e econômicas, como por exemplo, saúde, educação, transportes, segurança.
Vamos começar com Secretaria de Comunicação Social. É um nome que me deixaperplexa: como haverá comunicação que não seja social? Afinal comunicar não significa expressar um conteúdo mental em palavras, palavras estas que são convencionais, isto é, estipuladas pelos membros da sociedade de comum acordo? Portanto o que seria uma comunicação do tipo não social não sei o que quer dizer, preciso consultar o juiz do jogo (no caso o Lula, que adicionou a regra ao regulamento em 2007 e provalvemente é o mais qualificado para esclarecer o sentido de se criar uma Secretaria de Comunicação Social).
E a Secretaria de Assuntos Estratégicos? O que são estratégicos? Assuntos prioritários, imprescindíveis? Quer dizer então que as outras pastas ministeriais tratam de assuntos desimportantes ou até inúteis? Por que elas existem então? Novamente aqui peço a Lula, que em 2008 assinou o Decreto-Lei que deu à luz à criança, uma ajuda. Quem sabe ele inadvertidamente surfando na web pegue carona em minha pequena marolinha e leia este humilde artigo?
Peço licença aos leitores para citar mais uma peça neste xadrez que está me deixando maluca. Eu nunca aprendi a jogar xadrez, só sei gamão:o que é Ministériodo Desenvolvimento Agrário? Está no Aurélio: agrário, relativo à agricultura. Portanto, Desenvolvimento Agrário é Desenvolvimento da Agricultura. Mas se é isto, qual a diferença entre esta pasta e a pasta da Agricultura? Por acaso o Ministério da Agricultura cuida do subdesenvolvimento agrário? Aqui o juiz é outro, é Fernando Henrique Cardoso, ele mora perto da minha casa, quem sabe um dia eu não tope com ele na rua e ele me expliqueo sentido?
Eu poderia falar da sobreposição de funções destas Secretarias e Ministérios, a começar com a Secretaria de Direitos Humanos, o Ministério da Igualdade Racial e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que pelo sentido usual das palavras deveriam estar reunidas em uma só. Mas seria uma discussão inútil, pois meu olhar é o de um não participante do grande jogo que se joga em Brasília, daí eu não entender as regras e não achar sentido neste cipoal de nomes esdrúxulos (deixei de fora o Ministério das Relações Institucionais e o Gabinete de Segurança Institucional, pois não sei nem como começar a falar desta palavrinhatão cara aos nossos líderes, “Instituição”). Para que eu pudesse atribuir um significado a essas pastas e descobrir-lhes as funções na máquina governamental eu precisaria estar em Brasília, jogando o jogo democrático e seguindo as regras. E a regra número um parece ser que mais do que gerenciar o país, tentar resolver os problemas que nos afligem, o importante é garantir a vitória nas próximas eleições, criando pastas para troca de favores entre os membros da Máfia quero dizer, das instituições democráticas brasileiras.
Não sei aonde esse tipo de democracia, feita de eleições frequentes que nos dão mais do mesmo, vai nos levar. Só sei que é um jogo cujas regras não me agradam. Sempre achei o xadrez complicado demais, lento demais. Prefiro a celeridade do jogo dos faraós egípcios. Leitores, tirem suas próprias conclusões, mas eu por mim jogo a toalha: meu voto para presidente será sempre nulo, desde o primeiro turno, porque em priscas eras eu ainda escolhia alguém no primeiro. E vocês, continuam ainda sentindo prazer em jogar ou acham que toda essa atividade lúdica vai nos levar ao buraco? Quem viver verá o apito final.
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