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Socialismo Bolivariano S.A.

Posted by on 09/03/2013
“But if you think of a start-up as an
aircraft, passion is the fuel and the
engine. It creates velocity. But logic
and reason are the engineering and
the steering mechanism; you need
both, and you’re not going anywhere
exciting without both”
John Bradberry, autor do livro
Secrets to Startup Success

 

         Deparei-me com o trecho acima quando um amigo mandou-me um artigo sobre os erros que as pessoas queestão montando um negócio próprio cometem. Para John Bradberry, o principal motivo por que depois de dois anos aproximadamente 80% dos novos empreendimentos fecham as portas (números dele) é que os empreendedores ficam cegos de paixão.Eles se entusiasmam tanto com a ideia que tiveram, e realmente esse tipo de gente tem ideais sensacionais, que se negam a enfrentar a realidade e a se perguntar coisas básicas como: Há um mercado para o meu produto?Ou é melhor mudar de ramo porque há oportunidades mais promissoras em outro setor? É claro que é preciso ter paixão, paixão para enfrentar os momentos difíceis, para ser determinado, mas a paixão deve ser temperada pelos fatos de maneira que ela se transforme no que o autor chama de “earned optimism”, um otimismo conseguido por uma avaliação das suais condições e possibilidades reais, de maneira que caso as coisas falhem você consiga mudar de rumo e seguir em frente com seu projeto, mesmo que ele ao final seja totalmente diferente do que você tinha imaginado.Easier said than done,mas fica a mensagem de que paixão e razão não são coisas intrinsecamente boas ou ruins, para que floresçam e possam dar bons frutos precisam se alimentar mutuamente.

          Caros leitores, perdoem-me a lição de auto-ajuda, mas esta metáfora do avião ajudou-me a entender um pouco as reações que a morte de Hugo Rafael Chávez Frias,presidente da Venezuela, em 4 de março,provocou. Herança sombria é o título da capa da VEJA desta semana. Nem preciso ler a reportagem, porque já sei muitodo que vai ser dito contra ele. Os destemperos verbais, ilustrados durante a última campanha para presidente em 2012, em que chamou o candidato da oposição, Henrique Capriles Radonski, de porco. Sua atuação econômicapolêmicainspirada pelo tal do socialismo bolivariano que na prática consistiu em nacionalizações e expropriações e no uso da estatal do petróleo, a PDVSA, para fins políticos, especialmente depois da greve de 2003, que levou à demissãode 20.000 funcionários, e pior, à emigração de milhares de engenheiros de petróleo para o Canadá, Colômbia e os Estados Unidos (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ve.html ).

        O resultado da sua tentativa de superar o capitalismo não é lá muito positivo: a inflação em 2012 foi de 20,9%, fruto de uma capacidade produtiva insuficiente, que não foi melhorada pelas cooperativas bolivarianas introduzidas pelo “Comandante”. O país tem que importar produtos agrícolas e industriais e continua muito dependente do petróleo, que responde por 95% de suas exportações, 45% das receitas públicas e 12% do PIB. O grave é que devido ao uso das receitas do petróleo, cujo barril passou de 17 dólares em 1999, quando Chávez assumiu a Presidência, para 100 em 2011, para programas sociais, as instalações petrolíferas carecem dos investimentos necessários à sua manutenção e modernização. A economia informal ocupava 41,6% da população ativa em 2011 (dados tirados de www.lemonde.fr).Em suma, Chávez, convicto de que uma economia solidária é melhor do que uma economia capitalista, deixou de prestar atenção aos fatos de maneira que o socialismo bolivariano melhorasse para algo mais próximo do socialismo de mercado chinês que decididamente cria riquezas.

          Por outro lado, a paixão deste homem o levou a ficar embuído de uma indignação ante o fato de que a Venezuela, que tem as maiores reservas de petróleo do mundo, ser um país em que a maior parte da população não se beneficia da riqueza. Não há como negar queas taxas de pobreza, desemprego, analfabetismo e mortalidade infantil diminuíram consideravelmente sob o regime: em 1999 50% da população era considerada pobre, em 2011 esse número caiu para 17%. Programas de distribuição de benefícios a adolescentes grávidas, a menores pobres a pessoas deficientes foram introduzidos. Em 2011 Chávez lançou o “La Gran Mission Vivienda” para combater o déficit de 2,7 milhões de habitações.

           Muitos detratores do socialismo bolivariano dirão que tais conquistas sociais nada mais são do que uma consequência natural da alta dos preços do petróleo. Não há dúvida de que sem o ouro negro, a MisiónBarrio Adentro, de distribuição de medicamentos aos mais pobres, a Misión Robinson para a educação, a Universidade Bolivariana da Venezuela não teriam sido realizados. A pergunta é: considerando que a Venezuela explora petróleo desde o início do século XX, por que isso não havia sido feito antes? Chávez teve a coragem de fazê-lo, fruto da sua crença na justiça social.

           Coragem era uma marca deste tenente-coroneldesde que tentou o golpe militar em fevereiro 1992 para tomar o poder de Carlos Andrés Pérez. Para aqueles interessados em relações internacionais como eu, não deixa de lavar a alma ouvi-lo lançar impropérios contra George Bush. Chamá-lo de assassino e torturador não é coisa de aloprado, é simplesmente dar nome aos bois, pois o legado de George Bush foi e continua sendo nefasto. Se o ex-presidente americano não foi levado às barras do Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade é porque infelizmente a justiça é a dos vencedores, e enquanto os Estados Unidos forem o “Império” poderão agir impunemente. Palmas para Chávez que expressou a indignação que as pessoas de bem devem ter contra o alcoólatra responsável pelo famigerado Patriot Act.

         No frigir dos ovos o que dizer do empreendimento chavista? A paixão do seu fundadorlevou a Socialismo Bolivariano S.A. a fechar as portas? É impossível dizer no momento se as conquistas sociais serão mantidas, ou se tudo será desmantelado, ou se não passou de uma ilusão para ganhar o apoio das massas. Um dos efeitos da paixão é que ela causa divisões. Muitos dos que odiavam Chávez, como as classes média e média alta, foram embora (ao redor de um milhão de pessoas).  Talvez este tenha sido o grande erro do regime, rechaçar os setores com formação educacional suficiente para investir, criar empregos, fazer com que a principal riqueza do país possa ser explorada. Porque cuidar dos pobres permitiu ao presidente morto vencer eleições, mas não se pode dar costas à realidade e achar que os “lacaios do imperialismo” não vão fazer falta à Venezuela. Só nos resta torcer para que o avião venezuelano alce voo bem abastecido e comvelocidade de cruzeiro, mas que seja bem pilotado para enfrentar as turbulências e possa ter uma longa vida útil.

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