Indignez-vous! é o nome de um livro de autoria de Stéphane Hessel, membro da Resistência Francesa que morreu no último dia 27 de fevereiro, aos 95 anos de idade. Nesse livro, o autor prega que as pessoas devem protestar de maneira não violenta contra as injustiças deste mundo, entre as quais ele incluía os ataques militares de Israel em Gaza e sua ocupação da Palestina. Tal conclamação inspirou dentre outros o movimento Los Indignados na Espanha, que protestam contra a classe política que os levou a uma situação em que 55% dos jovens estão desempregados.
A indignação das pessoas ante situações de flagrante iniquidade pode assumir várias formas, que não sejam necessariamente protestos de rua como no caso espanhol. O banco suíço UBS foi um dos que mais perderam com a crise das hipotecas em 2008. Estabeleceu-se um consenso no país de que um dos fatores da crise foi o fato de os executivos do banco, na ânsia de aumentarem seus bônus, assumiram riscos de maneira temerária, apostando em instrumentos financeiros que acabaram virando pó. Pois bem, Thomas Minder, empresário e político na Suíça, propôs uma iniciativa de referendo sobre os esquemas de pagamento a serem feitos a executivos de sociedades anônimas. Para coibir abusos, propõe-se entre outras coisas que os pacotes de remuneração sejam votados pelos acionistas e estes também decidam sobre quem fará parte do Conselho de Administração.
A Economiesuisse, que é a FIESP de lá, é contra a proposta, que será votada por meio de referendo a ser realizado no domingo 3 de março, por considerar que impor limites aos pagamentos feitos aos executivos helvéticos diminuirá a competitividade do país. É sempre assim nestes nossos tempos globais: qualquer medida que vise coibir ou diminuir as desigualdades provocadas pelo capitalismo deve sempre ser podada, afinal devemos nos render incondicionalmente ao capital para que ele floresça e seja investido e gere empregos. É uma bela justificativa, mas será que todo esse dinheiro acumulado será mesmo usado para fins socialmente úteis? Será que não vale a pena frear um pouco a desigualdade em benefício da harmonia social? Os suíços parecem pensar assim e provavelmente votarão a favor de cortar as asas dos executivos que estabelecem seus próprios salários na estratosfera e quando saem da empresa recebem gordas indenizações (o que em inglês denomina-se golden parachutes) mesmo que sua contribuição aos resultados tenha sido pífia ou até mesmo desastrosa. Espero sinceramente que o sim ganhe nesse referendo.
Não sou ingênua o suficiente para achar que esse tipo de democracia direta poderia ser transplantado para o Brasil, pois organizar referendos para uma população de 8 milhões de habitantes é muito diferente do que fazê-lo com 200 milhões de habitantes em um país com grandes disparidades regionais como o nosso. Mas um pouco do espírito de indignação que animava Stéphane Hessel e anima os espanhóis e os suíços poderia nos ajudar a mostrar à nossa elite política e econômica que não se pode brincar com o povo, porque ele está atento aos desmandos. Infelizmente, sou pessimista a respeito da capacidade dos brasileiros de se levantarem, ou ao menos de o fazerem pelos motivos corretos. O episódio da morte do menino boliviano Kevin Béltran, de 14 anos, atingido por uma sinalizador na partida do seu time San José, realizada em Oruro no dia 20 de fevereiro contra o Corinthians, para mim ilustra nossas errôneas prioridades.
Diante da punição imposta pela Comenbolcontra o time paulista, cujos torcedores foram responsáveis pelo lançamento do sinalizador na Bolívia, vários corinthianos entraram na justiça pedindo uma liminar para que pudessem assistir ao jogo no estádio do Pacaembu, que ficaria fechado na partida contra o Millionarios no dia 27 de fevereiro. Armando José Terreri Rossi Mendonça, Milton Guilherme Rossi Mendonça, Gerson Mendonça Neto, Karina Bellinato Mendonça, Maurício Andreanelli Pimenta e Rodrigo Adura obtiveram a permissão para entrar, afinal já tinham comprado o ingresso e lá estavam, vibrando com o time. É sempre bom ver as pessoas defenderem seus direitos, mas eu me pergunto: o que nos deveria causar indignação? A falta de respeito do Corinthians aos consumidores lesados pelo fechamento do estádio ou a morte de um menino que tinha a vida pela frente? O que é mais importante, o futebol ou o futuro dos nossos jovens, a harmoniasocial? Será que o interesse de não perder o dinheiro do ingresso não se apequena diante da enormidade de um acontecimento que não só destruiu a vida de Kevin, mas a de seus pais também, que com toda a certeza nunca superarão perderem um filho assim, a cabeça estourada por causa de um torcedor idiota que usa o futebol como válvula de escape de suas frustrações?
Indignemo-nos, mas em nome de bens comuns, como a justiça, a ética na política, o respeito à vida humana. Torcedores do Corinthians, desculpem-me, mas as conquistas e históriado seu time não valem nada em face de um boliviano de Cochabamba que deveria ter o direito de crescer, tornar-se um adulto eassistir a jogos de futebol simplesmente como diversão e não como fonte de identidade pessoal, como parece ser o caso com muitos amantes do futebol no Brasil,incluindo corinthianos, flamenguistas, atleticanos, gremistas e todos esses fanáticos que levam a sério coisas risíveis e tratam levianamente coisas sérias.Quem sabe um dia nossa indignação permita que o Brasil, o país do futebol, transforme-se no país da democracia participativa?
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