Eu vivo sendo chamada de politicamente incorreta, e isso ocorreu semana passada quando um leitor do Montblatt, Fernando, enviou um e-mail a meu respeito. Estou disposta a vestir a carapuça, mas com certas ressalvas. Passo longe da incorreção política do finado Paulo Francis, por exemplo, cuja lenga lenga sobre as virtudes do capitalismo e a burrice da esquerda tupiniquim eram por demais maniqueístas, para não falar das diatribes do Diogo Mainardi ou de outros menos famosos considerados politicamente incorretos por serem contra todas as variantes do marxismo.
Ficar espinafrando o Lula e o PT colocando apelidos não dá credibilidade às muitas críticas que devem ser feitas ao lulismo e ao petismo. Pode-se até fazer isso entre amigos que compartilham o mesmo desgosto com a esquerda no poder no Brasil, como diversão, mas quando estamos tentando falar a uma audiência maior é preciso o mais possível chegar a uma linguagem comum, do contrário fica-se num diálogo de surdos. E pior, seria implicitamente considerar que os tucanos no poder eram muito melhores, o que está longe de ser verdade. Aliás, um dos defeitos do PT no poder foi justamente ter sido pouco criativo, e ter seguido os passos do PSDB em matéria econômica, como já foi amplamente abordado nas páginas do Montblatt pelo Paulo Passarinho.
Uma linguagem comum entre petistas e não petistas começaria por estabelecermos certos objetivos comuns. Um deles poderia ser no campo econômico: querer que o Brasil alcançasse uma soberania econômica, isto é, que fôssemos capazes de tomar decisões sobre o nosso destino e não ficássemos ao sabor das correntes internacionais. Isso não significa transformarmo-nos em uma autarquia, pois isso ficou praticamente impossível com a extrema integração entre os países. Mas significaria termos uma estratégia de defesa dos nossos interesses que nos permitisse adaptarmo-nos às circustâncias do momento, sem nos fragilizarmos.
Palavras bonitas dirão uns, mas o que significa isso na prática? O que é defender os interesses nacionais em uma economia globalizada? Que medidas concretas devem ser tomadas? Brigar na OMC? Desovar nossos títulos do Tesouro Americano antes que o dólar vire pó? Formar uma aliança com China, Rússia e Índia? Adotar posturas flagrantemente anti-americanas como faz Hugo Chaves ao flertar com o Irã?
Não há como tomar decisões concretas desse tipo sem que levemos em conta em primeiro lugar o poder de fogo do Brasil para elaborar medidas de defesa dos nossos interesses. Nesse ponto poderia haver outro objetivo comum entre partidários de diferentes posições ideológicas. Tal objetivo seria o de criar um Estado forte, isto é, um Estado dotado dos recursos financeiros para que a posição do Brasil pudesse ser respeitada no cenário internacional, para que pudéssemos ter uma bússola que nos orientasse em meio à tempestade econômica que se abate sobre a economia mundial.
Aqui haverá novamente acirradas disputas. Para uns Estado forte significa mais funcionários públicos, mais leis controlando a vida dos cidadãos, mais distribuição de renda por meio de impostos, mais atuação do Estado como agente econômico por meio de empresas estatais e como regulador da atividade econômica. Para outros, o Estado deve pegar mais leve, o que significa na prática,para dar um exemplo, que a maneira de melhorar nossa patética infraestrutura é a de firmar parcerias com a iniciativa privada, garantindo investimentos em troca de lucros. Nesse sentido, os tais dos marcos regulatórios nunca deveriam transformar-se em obstáculos que colocassem os lucros de concessionárias em cheque., pois isso as afugentaria.
Assim, fica claro de um lado ser possível estabelecer objetivos comuns entre aqueles que desejam de boa fé a prosperidade do Brasil, tais como nossa soberania econômica e um Estado forte que seja instrumento dessa soberania no plano interno e externo. Por outro lado, como transformar tais boas intenções em medidas práticas vai depender do lugar em que se está no espectro político. O que isso significa? Que não há possibilidade nenhuma de diálogo entre petistas e não petistas?
As picuinhas que existem entre PT e PSDB parecem indicar que nunca conseguiremos passar da fase infantil dos xingamentos mútuos. A troca de farpasentre o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o secretário de segurança, António Ferreira Pinto, a respeito da ajuda federal a São Paulo para combater a onda de assassinatos aparentemente perpetrada pelo PCC, é o mais recente exemplo. Os não petistas consideram que o PCC é aliado natural do PT e os petistas vão aproveitar a onda de assasinatos para mostrar daqui a dois anos o fracasso do PSDB na segurança pública.
Isso tudo para dizer que a minha incorreção política, longe de ser simplesmente um não petismo, é um desânimo com essa falta de verdadeiro diálogo que existe no Brasil. Não quero maquiar minha posição e dizer que não sou de direita e nem de esquerda, muito pelo contrário… Eu me coloco como de direita no sentido de que considero que as pessoas sejam desiguais e não haverá política social que faça com que todo ser humano na face da terra seja pensante, atuante e livre. Daí eu ser contra cotas na universidade, pois considero que abandonar o critério do mérito no ensino superior trará mais prejuízos do que benefícios ao Brasil. E na minha opinião o capitalismo tem muito do que se orgulhar nos países em que as desigualdades nuncam foram tão gritantes como no Brasil, que nasceu sob a égide da dicotomia escravos não escravos, ao passo que o socialismo, onde foi instituído, no frigir dos ovos trouxe mais miséria do que prosperidade. Essa é uma posição contestável, por implicar valores que eu já expus aqui anteriormente que estão longe de ser naturais ou verdadeiros.
Por outro lado, podendo eu estar errada por ser de direita, tenho um sincero desejo de que o Brasil se torne um país soberano e forte, e tenho certeza que muitas pessoas de esquerda de boa fé, quenão visem somente adquirir o poder pelo poder, desejam o mesmo. O diálogo entre aqueles que sonham com o bem do Brasil deveria em primeiro lugar admitir as diferenças ideológicas em certa medida irreconciliáveis para depois chegar a certos objetivos comuns. Tenho certeza que se houvesse essa boa vontade de parte a parte as diferenças concretas de medidas a serem tomadas diminuiriam sobremaneira, pela simples razão que os argumentos em favor desteou daquele rumo ficariam menos carregados de ressentimentos: discordar não seria o fruto narcissista e auto-complacente da necessidade de tomada de posição contra, mas um ato refletido baseado mais em fatos combinados com a interpretação específica dos fatos.
Infelizmente o que se vê no debate político brasileiro, tomado pelos marqueteiros, é uma ênfase na polêmica, na discórdia vã que chama a atenção e nivela por baixo: kit gay, aborto, acusações mútuas de corrupção, são questões incidentais que se transformam no centro do debate, justamente por não haver vontade de um debatesério sobre como tornar nosso grande Brasil um país com capacidade de cuidar de sua gente. Politicamente incorreta eu sou, mas sou antes de tudo uma indignada com essa falta de lucidez que é a nossa maior fraqueza.