Prezados leitores do Montblatt, permitam-me usar meu espaço semanal para responder à minha maneira, como diria o Frank Sinatra, aos questionamentos colocados pela leitora Monica, que mora na Nova Zelândia. Na sua carta ao editor a Mônica disse entre outras coisas que não há liberdade de expressão na Rússia e que as moçoilas do grupo Pussy Riot não poderiam ter protestado em outro lugar.
Não vale a pena discutirmos aqui se na Rússia há democracia e se o Ocidente pode dar lições de moral na China, que está se tornando agora um dos inimigos dos Estados Unidos ou no ex-inimigo mortal dos tempos da Guerra Fria. Eu seria leviana em afirmar categoricamente que na Rússia há tanta liberdade de expressão, um dos indícios de democracia, quanto nos países da Europa e da América do Norte. Leviana porque nunca fui à Rússia e muito menos aos Estados Unidos e tudo o que sei sobre o que acontece atualmente naquelas paragens tem como fonte a imprensa oficial, isto é aqueles órgãos considerados como confiáveis, e a imprensa alternativa que hoje floresce na internet.
Devo confessar que cada vez mais eu me apóio nessa, porque eu tomei uma grande ojeriza por publicações que antes me davam prazer e agora só me aborrecem. Um exemplo é a revista inglesa The Economist da qual fui assinante por quase 20 anos, até decidir neste ano abandoná-la quase que completamente, a não ser por algumas leituras no site deles na internet. Depois que comecei a ler outras versões dos fatos na internet, o tom monocórdico de defesa do capitalismo mais ou menos como ele está, salvo por alguns pequenos ajustes, ajustes esters sempre às expensas do lado mais fraco, me é um tanto quanto insuportável.
Por isso, a única revista que leio impressa (além da inevitável Veja, é claro) é uma revista de humor inglesa publicada a cada 15 dias que se chama Private Eye. Além de tirar sarro dos políticos ingleses de maneira inteligente, ela denuncia as maracutaias financeiras perpetradas por meio de bancos que lavam dinheiro de cleptocratas africanos, os respeitáveis homens de negócio como Richard Branson que fazem uso de todos os esquemas possíveis e imagináveis para pagar o mínimo de impostos possível (sonegação ou planejamento tributário?), a incompetência do governo que contrata empresas privadas para realizar serviços públicos, paga rios de dinheiro e recebe pouco em troca (conhecem algum outro país em que isso acontece?). Essa podridão eu não via retratada na vetusta Economist, e por isso comecei a me sentir enganada. Por outro lado lado, as arbitrariedades do imperador da Rússia são amplamente divulgadase a punição das Pussy Riots por vandalismo é mais uma prova de que aRússia do ex chefe da KGB não é um país democrático.
Toda essa digressão sobre minhas leituras na imprensa foi para que eu possa esclarecer aos leitores que minhas considerações sobre as punkeiras russas baseiam-se naquilo que eu pesquisei na internet, particularmente no blog de um americano chamado Llewellyn Harrison Rockwell,cujas ideias libertárias me agradam. Mas não pretendo nesse momento discutir os valores que compartilho com ele, pois isso não levaria a nenhuma discussão produtiva. O que pretendo aqui é expor os fatos que foram apurados por pessoas que desconfiam dessa conversa toda de apresentar a Rússia de Putin como um antro de opressão e corrupção. Os leitores do Montblatt podem achar que tal fonte não é confiável, e tem todo direito de ter tal opinião e descartar tudo o que falo. De qualquer forma, se isso levar as pessoas a refletirem sobre o outro lado das coisas que estão aparentemente consolidadas já me darei por satisfeita.
Em primeiro lugar a canção de protesto que as moças entoaram na igreja tinha os seguintes dizeres (transcrevo em inglês por respeito ao original de onde tirei):
Holy shit, shit, Lord’s shit!
Holy shit, shit, Lord’s shit!
St. Maria, Virgin, become a feminist…
Patriarch Gundyaev believes in Putin
Bitch, you better believed in God
Pressupondo que tais palavras realmente foram ditas pelas críticas do poder de Putin, deixo aos leitores o julgamento sobre que tipo de liberdade de expressão é essa que quer chocar usando palavras de baixo calão a torto e a direito sem a formulação de um pensamento coerente.
Em segundo lugar devo agora passar às manifestações prévias do grupo formado em 2008:
Elas incluíram pintar o membro masculino em uma ponte emSão Petersburo, encenar uma orgia pública no Museu Timiryazev em Moscou que tinha nudismo e aparentemente um ato sexual completo com penetração (Nadezhda Tolokonnikova, uma das acusadas no episódio da igreja, participou da performance já em adiantado estágio de gravidez), jogar gatos vivos nos funcionários de um restaurant McDonald’s em Moscou, capotar carros de polícia, sendo que em uma ocasião aparentemente havia um policial dentro, jogar coquetéis Molotov em edifícios, simular o enforcamento de um imigrante e de um homossexual, jogar cinco baratas vivas sobre estômago da grávida Tolokonnikova e o roubo de um frango congelado de um supermercado que foi enfiado na vagina de uma dasmulheres do grupo.
Leitores, reitero aqui que não tenho como confirmar essas informações, mas se elas forem fidedignas como acredito que sejam, meu objetivo com isso é o de frisar um ponto:o de que caímos em uma cilada perigosa quando levamos a sério pessoas cujo propósito é o de mera avacalhação, o protesto niilista, e as defendemos com unhas e dentes em nome da liberdade de expressão, e por outro lado, não levamos a sério pessoas como o Julian Assange, que prestou serviços inestimáveis de revelar muitos trambiques perpetrados à custa da população em geral, e está refugiado na embaixada do Equador e considerado como simples estrela mediática. O perigo é que nossa indignação contra a sorte de mulheres oprimidas seja a de inocentes úteisque acabam servindo a agenda daqueles que querem eleger determinados bodes expiatórios para satisfazer seus próprios interesses.
Uma última palavra: Mônica, agradeço por ler meu artigo e ter me levado a escrever este outro.