Eu sempre fico admirada com a esperteza da mídia oficial, isto é, aquela que serve para manter as coisas como estão, veiculando suas teses nas revistas e jornais do Brasil afora de maneira inocente e por isso eficiente. Sua tese principal pode ser resumida no mote do nosso sistema: consuma! E para nos fazer consumir é preciso que os ilustres jornalistas nos façam nos sentir insatisfeitos com aquilo que temos e nos prometam que se adquirirmos tudo o que é expressa ou subliminarmente oferecido, seremos aceitos pelas outras pessoas na sociedade e portanto seremos felizes.
Para fazer essa tese vencedora o truque de inventar celebridades é sempre muito eficaz. Celebridade é aquele indivíduo que a mídia inventa e que de tanto ser martelado em nossas cabeças é considerado como alguém importante, alguém que está no supra sumo da cadeia de valores, porque ele ou ela tem tudo aquilo que nós não temos. Ele/ela está inserido/a na rede de consumo e mostra a você que para estar dentro basta adquirir tudo o que a celebridade adquiriu. Não importam os meios (acordo de separação, trabalho artístico ou qualquer outro), mas o fim de chegar ao topo.
Dentro dessa lógica, ler a imprensa brasileira no Carnaval é uma lição sobre a função que ela tem de nos fazer nos sentir frustrados e, portanto, consumir. No domingo li a revista do Globo sobre as garotas super poderosas, as musas do carnaval. A autora da matéria se espantava com o fato de as moçoilas não terem mesmo celulite, pois apertou o bumbum de uma delas, e para atestar a sua perfeição listava as medidas exatas do quadril, cintura, coxa e busto de todas elas. Putz, tudo o que ela, Silvia Rogar, e suas leitoras não temos! Peitos enormes, bundas descomunais, coxas hercúleas (desculpem, eu sei que hercúleas não combina com coxas, mas já exauri meu estoque de adjetivos). E claro, depois de colocar as fotos das mulheres “poderosas”, “lindas”, Silvia dá o duro caminho das pedras para chegar à perfeição: cirurgia plástica, musculação diária, dieta à base de clara de ovo, injeções estéticas. O que a Sílvia se esqueceu de oferecer foram dicas sobre como conseguir o dinheiro para arcar com esses custos. Devo começar a freqüentar bailes funk, concentrações de futebol para arranjar um financiador? Não tenho tempo para isso, coitadinha de mim! Buááááááá, nunca terei poder, nunca serei bonita, nunca conseguirei um homem! Só me resta ir à farmácia comprar um remédio tarja preta!
Alguns leitores do Montblatt poderão acusar-me de ser uma grande rabujenta e preconceituosa. Afinal, essas mulheres na maioria das vezes pagam elas mesmas por toda essa parafernália estética, médica e nutricional. Não precisam de nenhum homem que as financiem, elas são independentes! De fato, chegamos aqui no Brasil a uma etapa da liberação feminina em que elas já não precisam arranjar um homem para que comecem a partir de então a agradá-lo, como ocorria antigamente: agarre seu homem e seja cordata! Não, elas já fazem o homem o centro de suas vidas desde pequenas, e se colocam como consumidoras desenfreadas para na disputa acirrada com outras mulheres conseguirem destrui-las e se tornarem super poderosas, capazes de atrair os machos. Não importa muito se todo esse investimento irá realmente frutificar e dar à mulher o prêmio almejado, o homem que a OUTRA não tem. O que é importante é se sentir superior em relação às outras, na corrida pelo status, é se sentir perfeita como as outras mulheres não são, é estar uma cabeça à frente na corrida: uma coxa mais musculosa, um peito ou bunda mais empinado.
Apesar de se falar muito pouco ao longo do artigo sobre a carreira dessas super poderosas, pois o que importa é falar do que as faz celebridades, a jornalista não se esquece de usar outro truque para nos convencer da sensatez de dedicarmos nossas vidas a adquirirmos tudo aquilo que não temos. Ela faz uso da opinião de membros da academia, no caso o da antropóloga Mirian Goldenberg, que “vê na estética das super-heroínas uma forma de contestação: – Esse não é um corpo que simboliza o masculino, mas uma fuga do padrão delicado, frágil, submisso (…) elas estão criando um modelo alternativo de ser mulher.” Que bom, podemos relaxar e gozar: uma intelectual nos conforta sobre a possível futilidade de dedicar quatro horas por dia a se embelezar. Isso é uma mostra do novo poder das mulheres. De fato, o poder de consumir, porque o valor fundamental é este: ter poder é ter poder de consumo. A expressão cotidiana nos mostra isso: dizemos “tá podendo, hein?” quando vemos alguém de carro novo, ou que comprou qualquer coisa que dê status.
Sob essa perspectiva, não importa que tal corrida seja inútil, pois o homem médio, dada sua natureza hormonal, irá sempre preferir sexualmente uma mulher de 20 a uma acima de 30 por mais super poderosa que seja. As revistas femininas, que atualizam as mulheres a respeito das últimas técnicas cirúrgicas e estéticas, ou que ensinam como fazer sexo oral de arrasar quarteirão, não ensinam às mulheres que por algum motivo fracassaram na corrida, seja porque casaram com o homem errado e se separaram, ou que nem sequer chegaram a casar, o que fazer da vida. Afinal se eu investi toda minha energia espiritual em me tornar super poderosa, o que colocarei na cabeça quando a realidade da vida bater à minha porta e eu perceber que adquirir coisas não vai me permitir ter relações pessoais não baseadas no consumo sexual de um pelo outro, mas no respeito, na cumplicidade, na amizade? Vê-se o resultado disso em uma celebridade passada como a Cristina Mortágua, que foi presa e bateu na policial da delegacia. Não tendo sabido passar a uma outra fase da vida, em que é mais sensato procurar não se colocar como a gostosa do pedaço, mas como uma mulher que quer ser amada e respeitada – como no fundo todas as mulheres querem – a ex amante do Edmundo, com quem teve um filho, não é nem aquilo que foi, pois “embagulhou”, e nem consegue ser mãe do seu filho, porque na sua cabeça o máximo que pode ser é amiga ou até namoradinha de dar selinho no gatinho. Ela é hoje uma celebridade sim, por mais patética que seja, e por mais que sirva de mal exemplo às mulheres, afinal estamos em uma época em que valores morais se subordinam à lógica do consumo e do dinheiro. Uma imagem a ser consumida nas revistas de fofoca, sem dúvida aumentará as vendas da ti-ti-ti ou qualquer outro lixo, mas é sozinha, carente, disfuncional e não me admira se for dependente de alguma droga.
Talvez eu esteja sendo muito moralista, mas sinto falta na nossa imprensa, dominada pela necessidade que tem de nos fazer consumir qualquer coisa, de jornalistas que tenham parâmetros e saibam distinguir o que é bom do que é ruim. Apresentar as super poderosas como modelos de conduta é um retrocesso e uma inconsistência, pois a mesma jornalista provavelmente escreverá uma reportagem sobre as pobres mulheres muçulmanas que usam véus, não podem se maquiar e nem ser livres. Eu pergunto, quem é mais escrava? A mulher que faz qualquer sacrifício para se manter em seu padrão narcísico de beleza, que se sente culpada comendo uma torta de banana no domingo, ou a portadora da burka, cuja única preocupação é cuidar da família?
Por isso, o sonho da minha vida é envelhecer como a Brigite Bardot. Namorou todos os homens que quis e os que não quis nos tempos em que fazia beicinho para delírio dos homens e hoje se assume como uma velhinha cheia de rugas que não está nem aí se a acham feia e luta pelo bem estar dos animais. Esta é na minha opinião uma grande mulher, soube fazer a transição de sex symbol para mulher verdadeiramente independente, que não odeia os homens, pelo contrário os adora, mas não os torna o centro de suas vidas.
Nesse sentido, faço questão de me posicionar, em um mundo em que tudo é relativo, e dizer em alto e bom som: SUPER PODEROSA É A MULHER QUE É, E NÃO SE PREOCUPA EM QUERER SER. Espero um dia chegar a esta ontologia parmenediana (de Parmênides filósofo grego para o qual a realidade é simplesmente o que é, uniforme, necessária, imutável), como poderia dizer alguma intelectual pseudo feminista, para me livrar de todas as angústias, ansiedades e desilusões com que a nossa sociedade de consumo, a sociedade do eterno vir a ser, nos enche, nós mulheres “liberadas” do Ocidente.