A pobreza do debate nesta eleição presidencial reflete uma característica muito nossa, que é a pouca disposição que temos de fazer uma análise da realidade e agir de acordo com tal análise. Exemplos disso podem ser vistos em várias áreas. A educação no Brasil, do ensino primário ao superior, consiste simplesmente em uma tarefa burocrática de cumprimento de requisitos para conseguirmos um diploma: decorar o conteúdo exigido pelo professor ou simplesmente colar e despejar tudo na prova. É um ensino escolástico de simples reprodução daquilo que as “autoridades” falaram.
Discussões sérias, isto é, embates em que pessoas com diferentes pontos de vista expõe suas idéias são evitadas porque para nós discutir não é uma atividade intelectual, mas uma questão pessoal: se estamos discutindo é porque estamos brigando e como somos conciliadores é melhor não discutir. O que prevalece no Brasil é a falsa discussão, em que ou os indivíduos tecem elogios inócuos uns aos outros porque concordam sobre a questão em pauta, ou então se ofendem mutuamente desqualificando o oponente com base em julgamentos de valor e não em uma análise ponderada da consistência do argumento.
Esse “Fla-Flu” eterno é gritante em nossa grande imprensa”, falada e escrita. A Revista Veja é anti-lulista e ao noticiar o governo faz uso sempre de adjetivos hiperbólicos, “aloprados” “diplomacia terceiro-mundista” etc. A Carta Capital fecha com Lula incondicionalmente e apesar de todos os escândalos, da malandragem de Lula de fingir que não é com ele, etc. varre tudo para debaixo do tapete e considera que nosso atual presidente realizou a promessa do governo para os trabalhadores, pelos trabalhadores.
Quanto à televisão, ela se dedica no mais das vezes a assuntos prementes na pauta dos problemas nacionais – as peripécias do psicopata Bruno, o poder de cura das plantas da Amazônia, a beleza do Pantanal, a separação do casal global Cláudia Raia e Edson Celulari, que tragédia! Tudo que nos poderia fazer acordar para realidade não é mostrado.
Hoje fiquei sabendo em um programa da BBC que o Brasil se transformou no destino número um dos pedófilos safados europeus que vêm pegar meninos e meninas, principalmente no Nordeste. Suplantamos o Sudeste Asiático como Meca do turismo sexual, porque a polícia está apertando o cerco aos pedófilos lá, então eles vêm para cá atrás de crianças de até 7 anos que muitas vezes são colocadas pelos pais na prostituição. Será um pacote maravilhoso para a Copa: além de poderem assistir aos jogos terão direito a chupetinha feita nas proximidades dos estádios. Viva as potencialidades econômicas do turismo!
Esse mascaramento da realidade, fruto e efeito da falta de discussão, impede que estabeleçamos políticas sensatas e afeta a tal da governança de que falava nosso editor no Montblatt passado. Aumentamos por meio do Prouni o acesso ao ensino superior, mas tal acesso é profícuo ou é mera enganação? Estamos formando os engenheiros, técnicos e cientistas de que o Brasil precisa ou estamos apenas enriquecendo os donos de faculdades particulares e enganado os otários detentores de diplomas inúteis? Essa opção que fizemos, imitando os americanos, de uma economia baseada no consumo e não na poupança, nos levará a um desenvolvimento sustentável ou será uma bolha de euforia que um dia estourará deixando uma tremenda ressaca?
O fato é que sempre optamos pelas soluções mais fáceis, menos trabalhosas, porque como sociedade somos incapazes de nos livrar dessa oscilação entre euforia e desalento total que nos caracteriza: ao milagre econômico dos anos 70, sobreveio a depressão da década perdida, e agora estamos em plena euforia, embalados pela Copa, pelas Olimpíadas, pelo crescimento econômico baseado em endividamento e na dependência da China. Tanto o otimismo de agora de achar que tudo está no rumo certo quanto o pessimismo de outrora de achar que o Brasil não tem jeito é uma questão de fé e para combater a fé só há um remédio: a verdadeira discussão, em que as partes se enriqueçam mutuamente e não se espezinhem. Só assim deixaremos de ser bipolares e nos tornaremos mentalmente saudáveis.