Na semana passada li na Veja uma matéria sobre o novo pai que está emergindo das mudanças por que passa a sociedade. Um pai amigo, que se coloca ao lado do filho e não acima dele, que o acompanha em baladas e com o qual tem uma relação de cumplicidade. Segundo o artigo da revista, que mostrava fotos de pais e filhos sorridentes, esse modelo combina o melhor de dois mundos, porque ao mesmo tempo que o pai dá bronca no filho quando precisa não perde seu lado humano e não se torna uma figura autoritária. A premissa que embasa todos esses novos papeis é a velha crença rousseauniana de que os homens são naturalmente bons, e a sociedade o corrompe. Assim, se tratamos as pessoas com amor, respeito e dignidade, natural e necessariamente elas responderão sendo bons cidadãos, obedecerão às leis, não infringirão os direitos alheios. Será isso verdade?
Essa dúvida me veio à cabeça por causa dos distúrbios que têm ocorrido na Inglaterra envolvendo jovens de subúrbios que se lançaram em um frenesi de destruição, saques, invasão de casas, queima de carros. Os ingleses estão espantados antes tal descida em comportamentos de Terceiro Mundo. Li um artigo em uma revista eletrônica que assino a respeito de habitantes de bairros próximos ao epicentro que se organizaram em milícias para protegerem suas casas e suas famílias, pois a polícia não estava respondendo prontamente. O governo do primeiro-ministro David Cameron havia cortado verbas da polícia no bojo das medidas de aperto fiscal para conter o déficit público, e planejava, ao menos antes de tais distúrbios, cortar mais dois bilhões e meio de libras do orçamento de segurança.
Aparentemente tais episódios poderiam corroborar os rousseaunianos, para quem a razão disso tudo está no fato de tais jovens não se sentirem conectados à sociedade, pois muitos são desempregados e vivem às custas de benefícios dados pelo governo. Em Tottenham, um dos palcos da violência, a porcentagem de residentes nessa situação chega a 20%. A sociedade estaria plantando o que colheu: sem emprego, sem perspectivas, esses jovens não encontram nada mais a fazer do que aquilo que se viu nesta semana. E a que se deve tal falta de perspectivas? Em uma economia como a da Inglaterra, em que o setor de serviços responde por 77.1% da criação de riquezas, não é mais possível a um indivíduo sem educação adequada conseguir emprego. E é aí que mora o perigo: 63% dos meninos de 14 anos da classe trabalhadora e 50% dos de ascendência caribenha têm a capacidade de leitura de uma criança de 7 anos ou menos. Por outro lado, a família na Inglaterra também vai mal das pernas. 45% dos meninos de 15 anos passam quatro ou mais noites na semana com amigos e 49% dos pais ingleses quando perguntados não sabiam onde estavam os filhos. E a Inglaterra tem a mais alta taxa de gravidez na adolescência da Europa, o que leva ao fenômeno de mães solteiras sendo sustentadas pelo Estado.
Aqui eu lanço uma pergunta que também se aplicaria perfeitamente ao Brasil. Diante da selvageria que se viu em pleno coração do Primeiro Mundo, será que esse modelo de novo pai que se está a propor é adequado? Viu-se na televisão a galhardia com que os baderneiros desafiavam a ordem vigente, não se importando com a polícia ou qualquer tipo de sanção. 24% dos condenados na Inglaterra recebem penas que não a detenção e, portanto, mais leves (Como aliás é a tendência no Brasil com o novo Código de Processo Penal, a de evitar a prisão e impor medidas alternativas). Será que não seria mais producente se nossos filhos tivessem um medo reverencial dos pais? Será que a democracia política não seria mais bem servida se nossas famílias fossem capazes de criar filhos que tivessem clara noção do que é certo e do que é errado, que tivessem medo de serem punidos pelos pais por cometerem infrações e quando chegassem à idade adulta também tivessem medo da polícia e seguissem a lei?
Isso me vem à cabeça quando penso que tais indivíduos que roubaram, queimaram e amedrontaram não passam fome, têm lugar para morar, ainda que não lá muito bom. Fizeram isso dando vazão a seus instintos selvagens em larga medida, mesmo que usem a justificativa espúria de que estavam protestando pela morte de um jovem por policiais. Afinal se querem criticar as arbitrariedades da polícia que façam protestos em frente ao parlamento, mandem petições, pressionem os órgãos de investigação para que a verdade seja revelada. Quebrar tudo ao redor da maneira como foi feito a mim parece que o que faltou a esses indivíduos foi menos direitos, que hoje se resumem ao direito de consumir, e mais obrigações, obrigação de respeitar os pais, de respeitar os professores. E a culpa está tanto nos adultos quanto nos professores e em geral em todas as autoridades que deixam de exercer seu papel de cobrar, de exigir um certo padrão de comportamento das crianças e insistem só no lado zen da educação, que é ser legal, ser amoroso, ser compreensivo.
O ser humano precisa ser civilizado e a civilização é uma conquista que custa sangue suor e lágrimas como diria o famoso Winston Churchill. O que não podemos continuar é nessa ilha da fantasia em que a sociedade de consumo nos coloca, só feita de gratificações e direitos. Quando se abre a caixa de Pandora o resultado é muito desagradável de se ver. Perdoem-me os leitores do Montblatt pelas minhas idéias antiquadas, mas sou a favor de umas belas chapuletadas nas crianças, que lhes inculquem não só valores como a capacidade de desafiarem os valores dos pais e construírem seus próprios. O que não pode é este niilismo que se vê, esta anomia. Isso pode acabar muito mal.