Os leitores do Montblatt provavelmente já estão cansados de ouvir falar do Fórum Econômico Mundial, realizado na Suíça todos os anos, reunindo líderes políticos, banqueiros, industriais. E claro que sabem do seu contraponto, o Fórum Social Mundial, que no ano passado desdobrou-se em 27 eventos em vários lugares do mundo. Contraponto porque se em Davos celebram-se os benefícios do mundo sem fronteiras, no qual quem quer e pode fica plugado em tempo real e constante a tudo de bom que ocorre em qualquer parte do globo, em Porto Alegre, Nairóbi e outras cidades menos chiques do que a estação de esqui na Suíça o objetivo é mostrar as mazelas do nosso admirável mundo global: a crise ambiental, as desigualdades, etc. Quem não se lembra do bigodudo francês Joseph Bové, que vociferava contra os alimentos transgênicos e defendia a agricultura tradicional européia? Ele era recebido com tapete vermelho em Porto Alegre, apesar do fato de que a tal da agricultura autêntica vive à custa de gordos subsídios que barram a entrada de produtos agrícolas dos países em desenvolvimento, entre os quais nossa linda terá onde gorjeia o sabiá.
O que talvez não saibam é que existe um outro grupo, menos espalhafatoso, que atrai pouca atenção da mídia mundial e creio eu, nenhuma da mídia brasileira, mas que tudo indica ter uma influência enorme sobre os rumos da globalização. Ele se chama Bilderberg, cujo nome advém do hotel em que seus membros, ao redor de 130, reuniram-se pela primeira vez na Holanda em 1954. Composto de europeus e americanos, o objetivo de início era permitir a determinadas pessoas influentes trocar idéias de maneira confidencial. Entre seus participantes figuravam o Príncipe Bernardo da Holanda, marido da Rainha Beatriz e simpatizante do nazismo, David Rockfeller, Joseph Johnson (presidente da Fundação Carnegie), John J. McCloy (presidente do conselho da Fundação Ford), Joseph Retinger, um dos arquitetos do Mercado Comum Europeu, Giscard d’Estaing (presidente da França de 1974 a 1981) e um dos idealizadores da Constituição Européia, entre outros.
Ora, o que pode haver em comum entre os proponentes da integração européia e filantropistas americanos? Tudo, porque propor integração como meio de paz é a mesma coisa que propor as relações internacionais como meio de aplainar as divisões ideológicas que tanto assolavam o mundo na década de 50. Defensores da idéia de que deveria haver um único sistema que ultrapasse as diferenças de poder e influência, que permitisse que as pessoas pudessem relacionar-se sobre a base de um conjunto de premissas, os integrantes dessa rede informal de internacionalistas procuraram usar de sua influência para criar um consenso em torno do conceito de que qualquer força em prol da homogeneização é algo intrinsecamente positivo, pois leva à paz e à prosperidade globais.
A semente da União Européia já havia sido lançada em 1951, com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, cujo primeiro presidente foi Jean Monnet, membro do Grupo Bilderberg. Em 1957 foi criada a Comunidade Econômica Européia, por meio do Tratado de Roma, em 1992 foi criada a União Européia e em 1999 foi lançado o euro. E assim executaram-se na prática os projetos dos globalistas, para quem o mercado único, a moeda única, a lei única é o meio certo para a produção de riquezas. E quem há de negar que a noção de sistema único, se extrapolarmos as fronteiras do continente europeu e considerarmos a ordem mundial como um todo, não traz benefícios para aqueles que nele conseguem se encaixar?
A China tornou-se a usina do mundo, concentrando a produção de todo tipo de commodity industrial. A Alemanha só fez prosperar, especializando-se na exportação de maquinário sofisticado e emprestando dinheiro aos porquinhos europeus. A Índia conseguiu seu lugar ao sol, vendendo serviços médicos, jurídicos, computacionais e de telemarketing. Sob esse aspecto o sistema global funciona tal como imaginado pelos entusiastas da internacionalização, dando oportunidades fenomenais de ganho às empresas que transferem a produção para locais com custo mais baixo e dando emprego e chance de consumo a indianos e chineses que antes viviam na labuta de camponeses. Não há nada mais condizente com a paz mundial do que tirar da pobreza milhões de pessoas que antes só poderiam servir de massa de manobra para os comunistas.
O papel da China como parte da engrenagem mundial foi recentemente reconhecido pela patota do Bilderberg, que em 2011 convidou Lu Fuxing, o vice-ministro das Relações Exteriores da China a tomar parte nas conversações. Convidados mais recentes incluem claro legítimos representantes dos banqueiros, tão importantes que jamais podem sofrer algum prejuízo. Dominique Strauss-Kahn era freqüentador assíduo, e nas discussões sobre a crise financeira propôs a idéia em uma conferência em Zurique em 11 de maio de 2010 de que uma crise é uma oportunidade, no caso oportunidade de implantar reformas na ordem financeira internacional para que a integração dos mercados não gere tanta instabilidade: uso do euro ou do renminbi como moeda de reserva ou quem sabe uma moeda global e implementação de uma estrutura de governança global (o discurso do ex-presidente do FMI está em http://www.imf.org/external/np/speeches/2010/051110.htm). Sua provável sucessora à testa do FMI, Christine Lagarde, presente na reunião do Bilderberg em 2009, é defensora da idéia de transformar o Conselho Europeu, composto dos chefes de Estado e de governo dos países membros da UE, em um governo econômico, que possa impor as boas práticas fiscais e orçamentárias aos gastadores recalcitrantes, entre eles a Grécia.
Enfim, tudo em prol da maior eficiência do tal de sistema. Não devemos nos esquecer, entretanto, que toda idéia de sistema embute a noção de que cada elemento do dito cujo só tem razão de existir se cumpre uma função e as peças que não cumprem uma função são inúteis e devem ser descartadas. Assim, se é verdade que o sistema existe para tornar a prosperidade e a paz globais e que isso é intrinsecamente bom, tudo o que contraria essa lógica não se encaixa. Não se encaixam os trabalhadores americanos que viram seus empregos serem transferidos pelas multinacionais para maior lucro destas e ruína daqueles, os gregos que entraram de gaiatos em uma união monetária na qual não tinham a mínima condição de competir com gigantes como Alemanha e Holanda, os industriais brasileiros cuja participação no PIB nacional ficou em 15% em 2009, nível de 1947, quando o país era agrário. (fonte: http://www.inovacao.unicamp.br/noticia.php?id=821). Mas para os bons companheiros do Bilderberg, os particularismos, as pequenas assimetrias são irrelevantes, o que importa é o quadro geral. E o panorama é rosa, pintado pelos vencedores. Será que haverá algum grupo que poderá adicionar tintas mais sombrias e fazer as pessoas perceberem as nuances trágicas da globalização?