É engraçado e interessante ver o desenrolar da crise na União Europeia, causada pela inadimplência dos países do Clube Med, Espanha, Irlanda, Portugal e Grécia.
Engraçado porque um deles é nossa alma mater, aquela que nos pariu, que nos explorou até ser substituída por um país mais esperto, a Inglaterra. Portugal está nu com a mão no bolso, mendigando pelos corredores da eurocracia: devido ao tamanho de sua dívida em relação ao PIB está à beira de decretar falência, caso os investidores internacionais desconfiem que o país não honrará seus compromissos e peçam um spread mais alto em relação aos títulos do governo alemão, considerados como referência. Poderá surgir então a pergunta do que foi feito de todo o dinheiro que Portugal tomou emprestado e a pergunta deve ser formulada de maneira precisa para que cheguemos ao ponto que interessa: a entrada na União Europeia serviu para que o país mais ocidental da Europa criasse as bases de um desenvolvimento sustentável?
É verdade que a partir de 1986, quando se oficializou a entrada dos países ibéricos no clube europeu, houve muita euforia, então justificada: muito dinheiro foi transferido a Portugal e Espanha a título de fundos comunitários para que pudessem fazer investimentos tais em infra-estrutura de transportes, telecomunicações, etc. que os tornassem dignos a figurar como europeus. Portugal entrou na rota do turismo de velhinhos alemães aposentados em busca do sol do mediterrâneo. Restaurantes, casas de veraneio foram construídos com dinheiro emprestado em euros. Além da indústria do turismo, investimentos mais substanciosos forma feitos na indústria automobilística. A Volkswagen abriu lá uma fábrica, atrás, como toda empresa global, de mão de obra mais barata e dócil, e com razoável nível de qualificação. Diante de tais ventos em popa, a nau portuguesa, cuja última grande façanha havia sido a descoberta da terra do pau brasil, finalmente desatracaria de seu marasmo secular! A nova face de Portugal pôde ser comprovada por nós ex-colonos, pelos investimentos que fizeram aqui em telecomunicações, e pelo desprezo que começaram a ter por nós como imigrantes na terrinha: aceitar gentalha do terceiro mundo, ainda que de um terceiro mundo emergente, não condizia com o novo status de verdadeiro europeu. A ascensão de José Manoel Barroso nos quadros da tecnocracia europeia sinalizava que Portugal finalmente deixara a rabeira e passara ao centro.
O caldo começou a entornar com a entrada na década de 90 e início do século XXI de outros pobrecitos na União Europeia vindos do Leste Europeu (Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Eslovênia, repúblicas bálticas) e que não só sorveram os fundos comunitários antes destinados aos velhos pobrecitos, mas acabaram sendo mais atrativos às indústrias montadoras. Portugal, ainda inebriado com a condição de europeu, continuou a tomar emprestado para construir mais casas para os nobres hóspedes europeus do norte e o resultado foi que com a crise financeira de 2008 o peso da dívida tornou-se insustentável e a verdadeira situação do país se revelou.
E que situação é essa? O fato é que a capacidade de desenvolvimento sustentável de Portugal no seio da União Europeia é muito escassa, tendo como colega de clube um gigante como a Alemanha cuja economia é muito mais produtiva e robusta e por isso o euro como moeda revela-se uma droga maldita, que fez com que o país pudesse tomar dinheiro a rodo para investir de uma maneira que ao final não se revelou capaz de gerar os empregos, a riqueza que todos esperavam. O resultado são maravilhosas estradas vazias que almejavam proporcionar a logística necessária às indústrias, mas que não fazem nada mais do que levar os brancaranos, como diria o Gilberto Freyre, às praias do Alentejo e do Algarve.
A única saída, não só para Portugal, como para os outros países com a corda no pescoço dentro da União Europeia, é dar o calote e sair do euro para que possam desvalorizar suas moedas e tentarem se tornar mais competitivos à custa de inflação. O regime do euro só é bom para as economias centrais da Europa, que conseguem ter pauta de produtos exportáveis mesmo com o câmbio forte. A permanência dos países periféricos será à custa dos trabalhadores, que terão que aceitar medidas draconianas em termos de arrocho salarial, elevação da idade de aposentadoria, flexibilização dos contratos de trabalho – leia-se mais facilidades para demitir – para que as dívidas sejam pagas à banca internacional, o euro seja mantido como moeda única da Europa e no futuro seja possível organizar mais farras financeiras.
Daí ser interessante para nós brasileiros ver o desenrolar da crise em Portugal, que inclui pedidos encarecidos ao FMI, medidas de austeridade, um filme que já vimos passar por essas plagas por tantas décadas, porque seu destino diz muito sobre o nosso também, já que lhe herdamos muitas das características. Nós portugueses e brasileiros sempre tendemos a nos colocar na mão dos outros, Portugal apostou todas as suas fichas na União Europeia, orgulhoso de ter sido aceito, mas na verdade foi aceito como estafeta no máximo, bom para trabalhos braçais, mas não admitido na cabine do capitão. Seu papel foi o de servir de porto seguro aos aposentados ricos europeus e aos agiotas. Sobre o Brasil, nem precisamos nos estender, colocamo-nos nas mãos dos portugas quando eles ainda tinham alguma pretensão a desempenhar papel de relevo, depois nos jogamos no colo dos ingleses no século XIX, deixamo-nos abraçar pelo Tio Sam no século XX e atualmente temos nos encantado com as sirenes chinesas. E os estragos de uma moeda forte em um país sem capacidade produtiva estão começando a ser vistos aqui no Brasil, em termos de desindustrialização e inflação.
Por outro lado pode ser um consolo vermos a tragédia portuguesa. Afinal, se temos como progenitora uma nação que sempre mete os pés pelas mãos, o que podemos esperar de nós mesmos? Se nem entrando na União Europeia, um dos clubes mais seletos do mundo, Portugal endireitou, como esperarmos fazer melhor figura? Ora pois!