Ainda não tenho como avaliar qual a reação dos leitores do Montblatt, se é que houve ou haverá alguma reação, ao meu artigo da semana passada, intitulado “Chupetas e chupetinhas”. Alguns terão achado tudo muito vulgar, obsceno ou outros terão considerado que eu culpo a Xuxa pela prostituição infantil no Brasil. Pretendo aqui fazer alguns esclarecimentos.
Quanto ao uso dos termos chupeta e chupetinha, o que eu pretendi é traçar um paralelo entre uma brasileira que reclama da vida sem ter razões sérias para choramingar como faz, e cujas vontades são praticamente todas satisfeitas, porque ela tem condições para tal, e outra brasileira que tem todas as razões para se revoltar com o seu destino e se mostra resignada. De um lado temos o reino global em que a Xuxa, ao toque de sua varinha de condão, movimenta a máquina do consumo e somos nós telespectadores transportados ao mundo da satisfação ilimitada dos desejos, um mundo limpo, bonito. E de outro o reino para lá de animal em que as pessoas lutam pela sobrevivência da maneira mais mesquinha (afinal nenhum animal deixa de proteger os filhotes como alguns pais fazem com os filhos).
O que a Globo e todos os outros canais mostram do nosso Brasil? Sim, é verdade que há as notícias todos os dias no Jornal Nacional, é verdade que seguindo a linha do jornalismo-verdade da Record, a Vênus Platinada explora crimes que chocam a opinião pública, tragédias, catástrofes naturais. Mas tudo é feito não com o objetivo de esclarecer, mas com o objetivo de vender: quanto mais sensacional, mais chocante, mais atraente, maior a audiência.
Se o objetivo da televisão brasileira fosse esclarecer, haveria uma seleção mais cuidadosa da pauta de maneira que o veículo pudesse retratar nosso país de maneira melhor. Por acaso há alguma reportagem na TV brasileira sobre a bandalheira que se faz com o dinheiro público por meio do BNDES? Por acaso algum repórter investigou as ligações de Abílio Diniz com os poderosos de Brasília? Por acaso há alguma discussão mais séria dos impactos do novo Código Florestal sobre a vida dos brasileiros (Pois se a Amazônia virar um deserto haverá um desequilíbrio climático no Brasil)? Por acaso os nossos comentaristas econômicos tentam vislumbrar um cenário em que o Brasil, entupido de títulos do Tesouro americano, se verá com um grande mico na mão, dada a possibilidade de os americanos derem o calote, pela manipulação do valor da moeda? Por acaso esses mesmos comentaristas que peroram como papagaios a respeito da solidez dos fundamentos da economia brasileira começam a perceber que os chineses estão sutilmente se livrando das suas reservas podres em US Treasury bonds e diversificando seus investimentos, comprando empresas ou participações acionárias na Europa, na moita, para não haver o estouro da boiada e eles perderem dinheiro? Por acaso não é tarefa da imprensa criticar para incitar o governo brasileiro a pensar em alternativas em um mundo em que o dólar deixará de ser reserva de valor? Afinal nosso plano de estabilidade econômica não tem como premissa fundamental a idéia de que nossas reservas em dólares são o lastro do nosso real?
O esclarecimento é preocupação inexistente, o objetivo é sempre vender, e para vender é preciso enganar, mostrar um mundo cor de rosa, acessível por um punhado de reais ou parcelas de empréstimo consignado. Falemos de assuntos vendáveis, a importância da ingestão de vitaminas para combater o envelhecimento (compre na sua farmácia mais próxima), a beleza do Pantanal (agende sua viagem na agência de turismo), o novo look da Juliana Paes ou qualquer outra celebridade (vá a seu cabeleireiro ou cirurgião plástico e peça igual). Nesse sentido uma matéria sobre uma menina de sete anos que faz sexo oral todos os dias para ganhar a vida não tem cabimento, é absurda. Vai vender o que? Só nos faz nos sentirmos incomodados, querendo mudar de canal. E nem dá vazão a nossa sanha de justiça como os crimes de um Nardoni, de um Pimenta das Neves dão, porque voltar-se contra quem? A mãe da menina? Uma pobre miserável, sem eira nem beira? Nem um Datena mais ensandecido conseguiria fazer linchamento midiático dela, é mais fácil investir no populismo e praguejar contra meliantes bem nascidos.
Posso ter colocado a Xuxa como bode expiatório, como epítome desta lavagem cerebral a que o povo brasileiro é submetido e se deixa submeter. Talvez porque eu a conheça desde o tempo em que eu era adolescente e passava as férias em Saquarema. A filha dos donos da casa me acordava todos os dias ao som do “Bom dia amiguinhos já estou aqui” que a Xuxa cantava ao sair da nave espacial. Peguei birra da Xuxa, quem sabe? De qualquer forma, não poderia em sã consciência achar que a prostituição infantil no Brasil é conseqüência direta do Xou da Xuxa. Seria estúpido da minha parte. Haverá crianças se prostituindo no Brasil enquanto houver famílias desestruturadas ou inexistentes, e haverá famílias desestruturadas ou inexistentes enquanto houver miséria material e moral.
Sob certos aspectos, muito limitados é verdade, a Xuxa é um exemplo às mulheres, é uma batalhadora, uma mulher bem sucedida que se fez à custa de seu esforço, sem ter se atrelado a nenhum homem. E se há pessoas dispostas a pagar milhões para ela falar bobagens na TV, a culpa não é dela, afinal gosto não se discute apenas se lamenta, ela está vendendo seu produto no mercado e o mercado é livre. Quem não quer ouvi-la que mude de canal.
Num mundo ideal, em que as pessoas não fossem inculcadas com a noção de que a solução está sempre fora de si e nunca dentro, não haveria a necessidade de celebridades em que depositamos todas as nossas esperanças e frustrações. Digo mundo ideal porque o culto às celebridades é praga mundial, de Norte a Sul de Leste a Oeste, afinal a sociedade de consumo é globalizada e as celebridades se encaixam perfeitamente na estratégia de vendas. Se não é possível se ver livre das celebridades, já que estamos imersos de corpo e alma no capitalismo, é perfeitamente possível em nosso Brasil nos livrarmos da praga da prostituição infantil. Se um dia conseguirmos que todas as meninas brasileiras possam assistir ao Xou da Xuxa ou seus sucessores no recanto do seu lar, tendo um pai e uma mãe que lhes proteja dos males deste mundo e lhes provenham subsistência, já teremos avançado um bocado.