Nas próximas duas semanas estarei fora do Brasil, viajando na Europa, afinal nossa fulgurante ascensão ao primeiro mundo, pelo menos em matéria de preços, faz com que viagens internas fiquem proibitivas em termos de custo-benefício, considerando a espera infinda nos aeroportos, o medo de viajar pelas estradas assassinas pelo Brasil afora, cheias de buracos, remendos e deslizamentos, entre outros inconvenientes. Aluguei um apartamento em Atenas com conexão Wi-fi à internet por 33 dólares por noite, incluindo faxineira, elegantemente chamada de concierge. Espero embeber-me da civilização grega a preços de banana, e claro, sem ter que enfrentar protestos na rua contra o arrocho imposto pela UE nem panelaços ou coisas do tipo. Na volta falarei das minhas impressões, se o país estará com os ânimos exaltados da Alemanha dos anos 20, obrigada a pagar as reparações de guerra a qualquer custo, ou se estará no torpor desanimador em que nós latino americanos ficamos ao longo dos anos 80 em que estivemos lancetados pelo garrote do FMI. Não sei o que é pior, um deu no fascismo, o outro deu em 20 anos de estagflação.
Seja lá como for, estarei bastante animada e vendo o lado bom de tudo, afinal turismo é uma das válvulas de escape que a nossa sociedade encontrou para a sensaboria e regramento das nossas vidas. O turista gasta o que tem e o que não tem, compra o que precisa e o que não precisa, vê muita coisa ao mesmo tempo que o deixa tonto, para no fim ficar com a sensação de ter realizado algo, de ter cumprido milhas, visitando tantos lugares, tirando tantas fotos, comendo e bebendo tantas coisas exóticas. Se algo vai ficar de tudo isso, além de dívidas, tralhas inúteis socadas em algum canto do armário, é uma incógnita, mas ao menos há motivo de atualização da sua página no facebook, o que é lá uma grande coisa, um acontecimento. Portanto, como já estou desde hoje vestindo a carapuça de turista, quero ver tudo de maneira otimista e risonha, e por isso farei votos para que quando eu voltar ao Brasil algumas coisas tenham tido bom andamento.
Em primeiro lugar, desejo de todo coração que as autoridades do Rio façam um bom trabalho de rescaldo depois da queda do Edifício Liberdade o que significa viabilizar a real apuração de responsabilidades. Espero que sigam o conselho de Moacyr Duarte, pesquisador da Coppe-UFRJ e especialista em situações de risco, que recomendou que haja uma sincronia entre o trabalho dos bombeiros e dos peritos na remoção do entulho do desabamento para que se saiba com razoável certeza o que causou a fatalidade: “É importante colher elementos da pilha, ter amostras do concreto dos pilares de base para fazer uma análise, ver o que é ferragem de coluna, de laje, para entender as deformações que sofreram. Há todo um registro de dados que não está sendo feito”. Sempre jogamos pedras na justiça, mas esquecemos que um processo judicial necessita der instrução, isto é, o juiz precisa ficar ciente do que de fato ocorreu, como e porquê. Se o trabalho dos peritos e da polícia não apresenta evidências suficientes, como querer que o juiz chegue a uma conclusão sobre quem agiu com imperícia, negligência, imprudência ou dolo? Como atribuir responsabilidades, condenar a indenizações no escuro? O que começa mal, acaba mal, os resultados pífios da justiça brasileira têm início lá atrás, sob certos aspectos a injustiça é apenas a ponta mais visível do iceberg da incompetência ou do Febeapá, como diria o saudoso Stanislaw Ponte Preta.
Por falar em gerenciamento de riscos e planos de contingências, espero também que havendo a sintonia fina entre todas as autoridades responsáveis pelo post-mortem da tragédia possam tirar lições que sejam absorvidas bem perto do epicentro dos desabamentos, na Avenida República do Chile, 65, sede da Petrobrás. Tivemos notícias alvissareiras na semana passada a respeito da mudança no comando da menina dos olhos dos brasileiros. Em 13 de fevereiro sai José Sérgio Gabrielli Azevedo e entra Maria das Graças Foster, que segundo a mídia tem “perfil mais técnico”. Não entendi muito bem o que isso quer dizer, afinal o Sr. Sérgio tem PhD em Economia pela Universidade de Boston e foi pró-reitor de pesquisa e graduação na Universidade Federal da Bahia. Maria das Graças, atual diretora da Área de Negócios de Gás e Energia, tem mestrado em engenharia de fluidos e pós-graduação em engenharia nuclear na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Um bom currículo, com certeza, mas na hierarquia acadêmica inferior ao do baiano. Talvez a mídia queira dizer que a nova presidente, escolhida a dedo por Dilma, será mais objetiva em suas escolhas e ficará infensa a pressões políticas, como Gabrielli estava, à mercê das traquinagens sinistras do mago das sombras José Dirceu. Será? Seu marido, Colin Foster, tem uma empresa que presta serviços de tecnologia à Petrobrás e coincidentemente a nova toda poderosa tem tatuadas no antebraço esquerdo três estrelas, já doou R$34,5 mil ao Partido dos Trabalhadores e engajou-se ativamente na campanha de Dilma à presidência, chegando a fazer boca de urna na Zona Sul do Rio.
Independentemente de quanto a escolha de Dona Dilma foi técnica ou simplesmente uma tentativa de tirar poder do grupo de Dirceu colocando na chefia da nossa mais importante estatal uma pessoa de confiança da presidente, faço votos à esta grande mulher que tenha sucesso na sua empreitada. Sucesso a meu ver significa que diante do desafio do pré-sal dona Maria das Graças faça a ponderação dos riscos e benefícios de explorar petróleo a profundezas tão grandes e saiba responder com serenidade à pergunta: os acidentes que poderão ocorrer, um possível comprometimento da nossa biodiversidade e riqueza marinha, serão compensados pelos lucros que o petróleo nos dará? Estaremos investindo no lucro a curto e médio prazo às expensas do nosso patrimônio de longo prazo ou realmente arrebentaremos a boca do balão como quer fazer crer a propaganda ufanista? Estaremos contribuindo para o desenvolvimento sustentável do Brasil ou simplesmente resolvendo o problema de suprimento de matérias-primas da China, até agora o principal investidor do pré-sal? De repente responder a essa pergunta não caberia a Dona Maria das Graças, mas ao povo brasileiro como um todo, que apesar de não ver a cor do dinheiro da Petrobrás em termos de dividendos, é teoricamente o seu proprietário.
Bem, depois desses meus votos aos bombeiros e peritos cariocas e à botafoguense alçada a um dos cargos máximos da nação, despeço-me dos meus leitores do Montblatt cheia de alegria no coração e ávida por tornar-me uma turista deslumbrada nas “Oropas”.