Confesso que fiquei curiosa em assistir ao casamento real da plebéia Kate Middleton e do Príncipe William. Até que ela não é assim tão plebéia, porque descobriu-se remexendo sua árvore genealógica que é descendente de uma irmã da famosa Ana Bolena, decapitada por seu marido Henrique VIII. A ascendente de Kate chamava-se Maria e foi amante do rei, com quem teve um filho. Ainda lembro quando aos oito anos eu assisti ao casamento da finada Diana, a mãe de William, e fiquei maravilhada com o vestido suntuoso, bufante, cheio de frufus, laços, o ar virginal da noiva. Qual mulher não sonha em casar, achar seu príncipe encantado?
No meu modesto caso, como sou uma garota de classe média que precisa ganhar a vida e sobreviver, o meu príncipe teria que ter qualidades darwinianas para ter sucesso no mundo cada vez mais competitivo, com recursos cada vez mais escassos do século XXI. O que obviamente não é o caso do garboso William, que se formou sem mérito em Geografia e provavelmente se não tivesse nascido com “uma colher de prata em sua boca” como eles lá dizem, não teria lá muita “empregabilidade”, apesar de ser um expert em protocolo e etiqueta. De fato, o moço só fala o inglês, não tem interesse em aprender outra língua e parece pouco sintonizado com o mundo multicultural de fora do seu casulo real formado de caçadas, temporadas na Escócia, baladas em lugares exclusivos. Até a decisão dele de não usar aliança depois de casado, por considerar isso cafona, mostra que William é muito mais apegado aos seus sinais distintivos de classe social do que sua mãe foi. O filme “A Rainha” estrelando Helen Mirren no papel de Rainha Elizabeth, revela a falta de sintonia da família real com a modernidade representada por Diana, que muito mais do que Princesa de Gales era extremamente carismática e por isso adorada como celebridade, já que se colocava naturalmente de igual para igual com qualquer pessoa. Vê-se neste casamento que a revolução democrática da finada princesa foi definitivamente colocada por terra: seu filho é todo sorrisos, mas ele nunca seria capaz de cair nos braços do povo como ela fez na África, visitando crianças aidéticas ou vitimadas por minas terrestres.
Mesmo com essa ressalva a respeito de considerar William apenas um jovem privilegiado e convencional, eu acompanhei até o momento de zarpar para o trabalho a cerimônia pela BBC. Uma coisa que me espantou foi a frugalidade do vestido de Catherine, que acentuava ainda mais a magreza da moçoila. Qual o porquê de tamanha simplicidade? A explicação mais provável é a de que a família real britânica não quer melindrar seus súditos em um período de vacas magras, como o maior corte de gastos públicos na Grã-Bretanha desde a segunda guerra mundial. De fato, os britânicos, que na época de Tony Blair e Gordon Brown (não convidados para o casamento) embarcaram na onda da globalização a bordo de seu setor financeiro, se vêem agora em plena ressaca, não tendo ainda conseguido deixar para trás o desemprego e a estagnação econômica. O Primeiro Ministro David Cameron, ávido por fazer com que o Estado possa se livrar de certas incumbências, propôs um projeto chamado “A Grande Sociedade” pelo qual quer encorajar os cidadãos a assumir maiores responsabilidades públicas, a terem uma participação maior na vida da “pólis”. Resta saber se terão tempo de fazer isso, afinal os gregos que o faziam na ágora ateniense faziam parte da elite da cidade e podiam se dar ao luxo de discutir, argumentar porque não precisavam labutar como pobres mortais.
A despeito de todos esses problemas pairando no horizonte, lá estavam os súditos de bandeirinha na mão, um milhão de fãs esperando o casal sair à sacada, dar o primeiro beijo. Por mais que os bem pensantes deplorem essa idolatria, que achem tudo isso uma futilidade, o fato é que os ritos da monarquia – coroações, casamentos, funerais – parecem calar fundo no inconsciente coletivo das pessoas que precisam que certas verdades imemoriais sejam sempre repetidas, que um homem e uma mulher se casam para entre outras coisas terem filhos, que a autoridade deve ser respeitada por si mesma, pelo que ela representa e não pelo que ela de fato é. Em um mundo em que os relacionamentos pessoais estão cada vez mais difíceis pelo egoísmo e narcisismo predominantes, em que a internet impossibilita a imposição de qualquer tipo de relação hierárquica, esses rituais lembram às pessoas as relíquias de um mundo que está se desintegrando. William e Kate podem ser em si mesmos medíocres e não ter mérito próprio além da beleza, mas o papel que desempenham de fazer o show continuar, de dar certezas, de reencenar clichês, talvez seja um alívio existencial para os britânicos e para todos os que em nossa aldeia global do século XXI sofrem a angústia de ter que viver em uma Terra que talvez não sobreviva ao holocausto ambiental..