Dono de 1,5% do mercado global de data centers, com 181 unidades, o Brasil tem se mostrado um país atrativo para o setor. Esse mercado cresceu 628% entre 2013 e 2023 no país, segundo o estudo “Brazil data center report”, da consultoria imobiliária JLL.
Trecho retirado do artigo “Centros de dados sustentáveis”, publicado na edição de março da revista Pesquisa FAPESP
Mantemos a péssima posição internacional na qualidade da educação e na desigualdade com que ela é oferecida. O número de adultos analfabetos continua praticamente o mesmo. Não temos uma estratégia para abolir a pobreza e dar à população instrumentos para sobreviver sem necessidade de políticas de compensação. Continuamos, enfim, sendo um país distante da inovação tecnológica, agora especialmente, com os avanços extraordinários da inteligência artificial. Seguimos sem estratégia de desenvolvimento para a economia do futuro, baseada no conhecimento e na diversidade ecológica.
Trecho retirado do artigo “Democracia Viva” escrito pelo ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-Ministro da Educação e ex-senador Cristovam Buarque (1944-
Prezados leitores, já repararam que atualmente para a pessoa mostrar suas credenciais intelectuais ela precisa pincelar seu discurso com palavras em inglês? Isso mostra que ela teve acesso às fontes originais do saber, que está antenada com o que há de mais moderno em termos de conceitos e teorias. Deparei-me com isso ao assistir a uma palestra sobre inteligência artificial. Ao longo de uma hora e meia, ouvi várias vezes “Better together” que é um lema usado no mundo de IA para enfatizar a necessidade do ser humano trabalhar em conjunto com as máquinas para resultados melhores. Ouvi também a palestrante usar “hype” para designar o fenômeno de todo mundo dizer que usa IA, mesmo sem fazê-lo. Ela poderia ter falado simplesmente exagero, mas preferiu a palavra em inglês, talvez porque ache que haja uma nuance de sentido não captada por nosso humilde idioma, que nunca foi usado para criar nada em termos de ciência da computação.
Em suma, tanto na forma quanto no conteúdo do seu discurso, a palestrante mostrou ser moldada por seu contato com os Estados Unidos, cuja cultura ela absorve e transmite aos seus ouvintes. “The US innovates, the EU regulates and China replicates” foi uma de suas tiradas que resumem sua visão de mundo. Visão esta que está sendo tornada obsoleta pelos fatos. De acordo com o Australia Strategic Policy Institute, um centro de estudos patrocinado pelo governo australiano, no ano 2000 os Estados Unidos eram os líderes em 60 das 64 tecnologías críticas que moldarão a economia do futuro, como a inteligência artificial, a robótica, a tecnologia quântica, a cibernética, a biotecnologia, materiais avançados, dentre outras. Já no último levantamento do instituto, a China lidera em 57 dessas 64 tecnologias. Portanto, apesar de a frase ser engraçada e mostrar o conhecimento pela palestrante do que falam nos Estados Unidos, ela está sendo desmentida pelos avanços gigantescos que os chineses têm feito para evitar a armadilha dos países de renda média, isto é, de países que eram subdesenvolvidos até a década de 70 e, absorvendo a tecnologia do Ocidente, conseguiram industrializar-se produzindo produtos de baixo valor agregado. A China quer galgar um patamar mais alto, ela quer entrar no seleto clube dos países que não copiam, mas criam e estabelecem o padrão para o mundo. Nós no Brasil ainda achamos que são principalmente os Estados Unidos que fazem isso e certamente a palestrante, a cuja fala bilíngue assisti, certamente compartilha dessa opinião.
Não me admira que seja assim. Ela é advogada em uma grande firma que faz negócios com gringos que querem investir no Brasil, portanto não pode ser uma grande defensora de soberania econômica em relação a países de estrangeiros. O momento mais interessante da palestra foi aquele em que ela abordou a criação de data centers no Brasil, que está se transformando num grande filão de negócios imobiliários, afinal é preciso comprar terrenos para instalar os equipamentos que processarão os dados que servirão de base para o desenvolvimento dos modelos de IA generativa. Segundo ela, o problema aqui é a falta de segurança jurídica, a carga tributária e a falta de infraestrutura de cabeamento para a transmissão dos dados.
A questão de criação de centros de dados no Brasil é tão importante que há um grupo de trabalho envolvendo vários ministérios para elaborarem um plano para facilitar a instalação deles no Brasil, para que possamos competir com países como Colômbia, Chile e México. Conforme o trecho que abre este artigo, houve um boom de instalação de centros de dados no Brasil nos últimos 10 anos, mas de acordo com a palestrante, poderíamos atrair mais empresas se estabelecermos o marco regulatório correto que garanta o lucro dos investidores.
Foi então que um dos ouvintes levantou a mão e perguntou: “E qual será a vantagem para o Brasil?” Haverá geração de empregos? Ou será uma mera questão de instalar um monte de plantations de dados pelo país afora, assim como temos um monte de plantations de soja e de outras commodities?” Colocação interessante, que talvez a palestrante não esperava ouvir, mas que a obrigou a abordar o lado negro dos centros de dados.
Afinal, esses locais cheios de servidores, que precisam ser constantemente resfriados para poderem funcionar 24 horas por dia, não precisam de ninguém que os liguem e desliguem, pois rodam automaticamente. Portanto, não há necessidade de contratação de grandes contingentes de trabalhadores. Além disso, os equipamentos são todos importados, nada é produzido no Brasil e seu funcionamento exige grande quantidade de energia e de água. Estima-se que 1% da demanda global por energia seja proveniente de centros de dados de computação em nuvem. Considerando isso, será que o valor agregado produzido no Brasil é suficientemente grande para justificar o uso dos nossos recursos naturais? Apesar de considerados verdes, pois renováveis, como a energia elétrica e a água, sua exploração não deixa de ter impactos ambientais e de ser algo que não ficará disponível para a população. Finalmente, será que algum conhecimento será produzido no Brasil com a instalação de centros de dados? Ou só haverá o processamento mecânico aqui e os resultados serão compilados, analisados e transformados em aplicações tecnológicas na sede das empresas que instalam os centros de dados aqui?
Em suma, a definição dada pelo ouvinte de “plantation de dados” pode ter colocado o dedo na ferida do Brasil, apontada por Cristovam Buarque em sua coluna na revista VEJA e mencionada na abertura deste artigo. Se multinacionais como Microsoft e Amazon estão instalando centros de dados no Brasil simplesmente por causa das nossas fontes de recursos naturais renováveis, isso é sintoma da nossa falta de cérebros que pudessem se debruçar sobre esses dados processados e criar soluções de AI para problemas reais a partir disso. E se não temos cérebros suficientes que atraiam empresas é porque não temos educação de qualidade que prepare os alunos para refletir e gerar produtos e serviços inovadores.
Prezados leitores, enquanto a tarefa do momento é ter uma opinião sobre se Bolsonaro ou não tentou um golpe de estado em 8 de janeiro de 2023, mesmo que nenhum de nós tenha lido a denúncia da Procuradoria-Geral da República, nos gabinetes de Brasília preparam-se medidas para atrair empresas para espalharem plantations pelo Brasil, como se já não tivéssemos um número suficiente delas. De soja ou de dados, elas revelam o ponto fraco do Brasil em termos de formação de capital humano. Talvez quando o ciclo de julgamentos de celebridades políticas termine, possamos nos dedicar a resolver assuntos mais estratégicos para o nosso futuro.